Ana Claudia Urban


REFLEXÕES SOBRE A DIDÁTICA DA HISTÓRIA, EDUCAÇÃO HISTÓRICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES


A didática da história na perspectiva da educação histórica
O presente texto intenciona apresentar algumas reflexões sobre a relação entre a Didática da História e a formação do professor. As discussões apresentadas localizam-se no campo da Didática da História, âmbito de investigação em crescimento, que se encontra em um processo de solidificação enquanto campo de investigação. Joaquim Prats, investigador espanhol, assinala que tal situação se deve:

“[...] la falta de un acuerdo sobre cuales son los núcleos conceptuales sobre los que trabajar y los principales problemas a dilucidar. Pero a ello debe añadirse el poco desarrollo de los métodos y técnicas de investigación,  adaptadas e generadas desde la propia área, la relativa colonización metodológica de otras Ciencias Sociales, la poca importancia que, hasta el presente, se le ha dado a las peculiaridades tanto conceptuales como epistemológicas de las ciencias que se trata de enseñar, y, por último, la fuerte impregnación de ideologías que pervierten, en ocasiones de manera determinante, el propio planteamiento de los temas de estudio”. (PRATS, 1997, p.13 – grifo nosso).

Dessa forma aponta o autor que as investigações envolvendo a Didática da História necessitam de um rigor em relação aos métodos e técnicas de investigação, aos conceitos que perpassam esse campo, a epistemologia que sustenta as discussões e também a influência de outras áreas que, segundo o investigador, muitas vezes dão uma conotação diferente, ou seja, não colaboram no sentido de localizar temas de estudo nesse campo de investigação.

A estas preocupações também Pagès (2004) em seu artigo “Enseñar a enseñar História: la formación didáctica de los futuros profesores de História” acrescenta que a Didática da História pretende ser um ponto de referência, onde professores e investigadores possam ancorar suas reflexões em relação ao ensino e aprendizagem em História e, desta forma agreguem argumentos, ultrapassando a marca do conteudismo, muitas vezes matizada por uma racionalidade exclusivamente linear.

“La Didáctica de las Ciencias Sociales y de la Historia se ocupa de estudiar las relaciones entre el profesor, el alumno y el saber escolar en el contexto de una clase y de un centro y en un momento histórico determinado, e investiga sus orígenes y tradiciones. Pretende elaborar conocimientos teórico-prácticos que permitan analizar y comprender qué ocurre cuando se enseña y se aprende Historia y Ciencias Sociales en contextos concretos y pensar alternativas para su enseñanza”. (PAGÈS, 2004, p.157)

O autor também assegura que a Didática da História deve ocupar-se do profissional que atua na educação básica, o qual, por meio de sua prática, pode revelar a forma de compreender a História, a concepção acerca da História e a forma de se relacionar com o próprio conhecimento histórico.

Ademais Prats, em sua publicação “La Didactica de las Ciências Sociales en la Universidad Española: estado de la cuestión” (2002) acrescenta que:

“Como todas las áreas dedicadas a la didáctica de las distintas materias curriculares, la de Ciencias Sociales inicia su andadura en la segunda mitad de la década de 1980, partiendo de los grupos de profesores que provenían, casi en su totalidad, de las Escuelas de Formación de Profesorado de EGB. Ese profesorado impartía los contenidos de geografía e historia que se consideraban necesarios para la formación de los futuros maestros, junto con la didáctica de las materias. Lo más habitual era que las asignaturas se titulasen con denominaciones como, por ejemplo, “Historia y su didáctica”. Cada profesor determinaba que peso debía tener cada uno de los aspectos: la historia, por un lado, y la didáctica, por otro”. (PRATS, 2002)

Com as contribuições anteriores fica evidenciado o estágio que encontra-se as discussões em torno das Didáticas específicas, como também as pesquisas e trabalhos nesta direção.

No Brasil percebe-se a existência de pesquisas e investigações, voltadas para esta área e, como já dito, não com esta denominação “didática específica”, mas tendo como referência, além dos conhecimentos pautados na Didática ou na Psicologia, na própria ciência de referência que é a História.

Reflexões com base no texto de Jörn Rüsen, inicialmente publicado em 1987, e traduzido em 2006, intitulado A Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão  apontam diversos questionamentos voltados à Didática da História, enquanto disciplina, na Alemanha Ocidental.

Afirma Rüsen que a constituição da Didática da História, na Alemanha, se aproximou da Pedagogia, abrindo um abismo entre a Didática e os estudos históricos.

“Originalmente, a didática da História da Alemanha, como em qualquer lugar, tinha sido guiada pelas necessidades práticas de treinamento de professores de história. Esse treinamento teve lugar em dois níveis. Um era puramente pragmático e relacionava-se com os métodos de ensino de historia em sala de aula. O segundo era teórico: ele se concentrava nas condições e nos propósitos básicos do ensinar e aprender história”. (RÜSEN, 2006, p. 9).

Explicita o autor que esses “treinamentos” tinham relação com os métodos de ensino em sala de aula, com o “fazer” e estavam vinculados à Pedagogia.

Num segundo momento esse treinamento era permeado por uma preocupação mais voltada ao ensinar e ao aprender História, vinculados também aos estudos históricos, que:

“[...] investigam a história como disciplina a ser ensinada. Nesse nível nós falamos da didática da educação histórica. [...] A didática da educação em história estabelece os objetivos e as formas da educação histórica dentro de um dado contexto político, social, cultural e institucional. A metodologia de instrução em historia estabelece os meios práticos pelos quais estes objetivos são alcançados”. (RÜSEN, 2006, p. 9).

O texto argumenta acerca de como as preocupações em torno do ensinar e aprender História, na Alemanha, estão delimitando o seu espaço e a forma como os embates em torno do ensino e aprendizagem vão ocorrendo, justamente pelo fato dos pesquisadores e  historiadores não conceberem a Didática da História como parte da ciência da História.

Para explicitar essa polarização o autor faz uso da expressão “divisão de trabalho”, indicando a separação entre os estudos históricos, propriamente ditos e as questões referentes à educação histórica. “[...], portanto, a história formal não se dirigia à essência do saber histórico escolar, diretamente. Os historiadores consideravam que sua disciplina estava legitimada pela sua mera existência” (RÜSEN, 2006, p. 10).

Essa dicotomia entre os estudos históricos e o ensino, que constituiu parte das preocupações em torno da Didática da História na Alemanha. Rüsen mostra que, a partir da década de 1970, na Alemanha, a Didática da História se constituiu como uma disciplina, com referenciais e concepções próprias. Mesmo assim, o seu lugar não estava por assim especificado, pois era vista como um auxílio à didática geral. Desta forma, foi aproximando-se cada vez mais da Pedagogia e a sua especificidade diluindo-se entre a História e a Pedagogia.

Após discussões sobre a originalidade do pensamento histórico, diferenciando-se de outras formas de pensamento, o campo de identificação da Didática da História foi se estabelecendo e criando, por assim dizer, um corpo próprio. “A didática da história juntou os assuntos orientados pela prática sobre ensino e aprendizagem em sala de aula com uma percepção teórica dos processos e funções da consciência histórica” (RÜSEN, 2006, p. 12).

O percurso da Didática da História, na Alemanha, apontado por Rüsen mostrou que a forma de pensar a disciplina esteve fortemente ligada à forma de pensar o ensino e também a História.

Para Rüsen, dimensionar a amplitude acerca da consciência histórica é difícil, visto que a consciência histórica não é somente um conhecimento acerca do passado, ela contém o passado; mas essa necessidade de conhecer o passado tem como “termômetro” a necessidade de se conhecer o presente e pensar o futuro.

“A consciência histórica é, assim, o modo pelo qual a relação dinâmica entre experiência do tempo e intenção no tempo se realiza no processo da vida humana. [...] Para essa forma de consciência, é determinante a operação mental com a qual o homem articula, no processo de sua vida prática, a experiência do tempo com as intenções no tempo e estas com aquelas. Essa operação pode ser descrita como orientação do agir humano no tempo. [...] A consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem para tornar suas intenções de agir conformes com a experiência do tempo” (RÜSEN, 2001, p. 58-59).

O objeto de investigação da Didática da História está voltado ao aprender historicamente e, este, por sua vez, tem a formação da consciência histórica como a sua intenção maior.

A Didática da História ou ciência do saber histórico pode demonstrar para o profissional, preocupado exclusivamente com os conteúdos, com a quantidade de informações, que existem conexões possíveis entre a História, a vida prática e a aprendizagem e são elas as responsáveis pela forma como se aprende a História e, na condição de professores, pela forma como se ensina a História.

Os contributos de Jörn Rüsen (2001,2007) para as reflexões de caráter epistemológico sobre a forma de aprender e ensinar a História têm permitido localizar a Didática da História dentro de um corpo teórico que tem, entre os objetivos, o desenvolvimento de uma consciência histórica, que por sua vez é identificada como preocupação central das pesquisas situadas no campo da Educação Histórica.

Entende-se, assim, que o substrato da Didática da História, defendido por Rüsen, baseia-se na natureza da ciência História, sendo que, a consciência histórica está, por assim dizer, presente neste substrato, pois, para o autor, a consciência histórica está presente no fundamento da ciência da História. A perspectiva para o entendimento da obra de Rüsen sustenta-se na compreensão em como se constitui a cognição histórica e, esta forma de aprender é pautada numa teoria, a teoria da História, que por sua vez contém uma Didática.

Na obra História Viva - Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico, Rüsen (2007) dedica um capítulo sobre a função didática da História. Pondera o autor que a ‘Didática’ é um conceito ambíguo no campo do pensamento histórico. Afirma que:

“O termo ‘didática’ indica que a função prática do conhecimento histórico produz efeitos nos processos de aprendizado. O que se entende aqui por processos de aprendizado vai bem além dos recursos pedagógicos do ensino [...] de história (quase sempre conotado com o termo “didática”). “Aprender” significa, antes, uma forma elementar da vida, um modo fundamental da cultura, no qual a ciência se conforma, que se realiza por ela e que a influencie de forme marcante” (2007, p. 87).

Percebe-se que a forma pela qual o autor toma a Didática, em suas reflexões, não se configura numa preocupação exclusivamente pautada nos recursos ou nas técnicas, não que o autor não reconheça tais funções, mas volta-se para a relação entre a didática e a aprendizagem, afirmando que o conceito de Didática é um tanto controvertido, por configurar-se um domínio da Pedagogia, mas pondera que, se a Didática toma como preocupação a aprendizagem, tal entendimento é diretamente associado ao que ele entende por “aprender”.

“Se ‘aprender’ for entendido, fundamental e genericamente, como processo no qual as experiências e as competências são refletidas interpretativamente, esse conceito de aprendizado diz respeito ao que se discute aqui: a contribuição da ciência da história para o desenvolvimento daquelas competências da consciência histórica que são necessárias para resolver problemas práticos de orientação com o auxílio do saber histórico”. (RUSEN, 2007, p. 94).

Essa aprendizagem, que se expressa pela consciência histórica, é evidenciada por meio da elaboração de narrativas, que são construções coerentes elaboradas pelo sujeito levando em conta a forma pela qual este relaciona com o passado.
A esta ideia Barca acrescenta que:

“[...] considera-se que ‘ter consciência histórica’ avançada implica adquirir um certo sentido do que é a História como disciplina académica, dominar determinadas competências historiográficas, construir uma narrativa consistente (não a narrativa) da condição humana (e não apenas do seu país) e reflectir (e agir, intervir?) em consonância com o esquema mental que cada um vai dinamicamente formando”. (BARCA, 2007, p.117)

Entende-se que Rüsen advoga favoravelmente a existência de uma Didática da História, tendo em vista que a História possui uma função didática, sendo seu objetivo investigar o aprendizado histórico.

“O aprendizado histórico é uma das dimensões e manifestações da consciência histórica. É o processo fundamental de socialização e individualização humana e forma o núcleo de todas estas operações. [...] Teoricamente, a didática da história tem de conceituar consciência histórica como uma estrutura e processo de aprendizado. [...] Metodologicamente, a didática da história pode usar métodos estabelecidos da psicologia e sociologia e reestruturá-los de acordo com a peculiaridade da consciência histórica”.  (RUSEN, 2006, p. 15-16)

Tomando a valorização do que Rüsen chama de “aprendizado histórico”, destaca-se o entendimento da História como o estudo da experiência humana, que permite evidenciar o lugar das experiências individuais e coletivas de homens e mulheres. Este poderia ser, na perspectiva de Schmidt e Garcia (2005), um critério em relação à seleção e/ou organização dos conteúdos a serem ensinados.

Afirmam as autoras que, ao assumir um dos princípios da Didática da História, que é de ordem teórica:

“[...] torna necessário que professores e alunos busquem a renovação dos conteúdos, a construção de problematizações históricas, a apreensão de várias histórias lidas a partir de distintos sujeitos históricos, das histórias silenciadas, histórias que não tiveram acesso à História. Assim, busca-se recuperar a vivência pessoal e coletiva de alunos e professores e vê-los como participantes da realidade histórica, a qual deve ser analisada e retrabalhada, com o objetivo de convertê-la em conhecimento histórico, em autoconhecimento, uma vez que, desta maneira, os sujeitos podem inserir-se a partir de um pertencimento, numa ordem de vivências múltiplas e contrapostas na unidade e diversidade do real”. (SCHMIDT e GARCIA, 2005, p.299-300).

Vale destacar que ao movimento sugerido pelas autoras com vistas à “renovação” pode-se agregar uma preocupação com a forma de ensinar, porém a diversidade dos sujeitos, as possibilidades de reflexão que tomam as vivências individuais e coletivas, o lugar onde se ensina e a forma como o conteúdo é tratado, seguramente, podem fazer toda a diferença.

Em suma, existem lógicas e estratégias na relação ensino/aprendizagem. Uma delas defende que a aprendizagem deve se processar em meio à ciência de referência, em situações concretas, ou seja, que façam sentido para quem aprende. “As vivências prévias dos sujeitos e a natureza específica do conhecimento, o tipo de tarefas a desempenhar, as aptidões individuais são aspectos fundamentais para a progressão do conhecimento” (BARCA, 2001, p.20).

As reflexões que evolvem a Didática da História e as relações entre ensino e aprendizagem desencadeou a realização de um estudo junto a alunos em processo de formação, justamente com a intenção de refletir sobre como estes sujeitos pensam o que é ensinar e aprender História. As discussões com esta intenção são apresentadas a seguir.

A didática da história: perspectivas de alunos acadêmicos brasileiros
A intenção ao realizar a aplicação de um instrumento de pesquisa foi investigar como diferentes sujeitos pensam a relação entre ensino e a aprendizagem em História durante o processo de formação inicial.

Os acadêmicos que participaram dessa pesquisa são alunos de uma universidade pública paranaense (Brasil) e, na ocasião em que responderam ao questionário frequentavam o terceiro ano do curso de Licenciatura em História. De acordo com a matriz curricular do curso estavam frequentando, pela primeira vez, uma disciplina identificada com as atividades práticas do ensino de História, mas já haviam cursado as disciplinas de Didática e Psicologia.

Vinte acadêmicos responderam ao questionário, representando a totalidade presente por ocasião da aplicação do instrumento.

Para a realização dessa etapa, foi aplicado um questionário durante o período de aula. O instrumento respondido pelos acadêmicos foi organizado com base em estudo piloto realizado em outra etapa de uma pesquisa, tendo como indicativo as leituras e análises documentais realizadas.

O perfil dos 20 acadêmicos que responderam ao questionário apresenta as seguintes características: a maioria dos alunos é do sexo masculino e se encontra na faixa etária entre 26 e 30 anos (07 alunos).

Entre as várias questões que compunham o instrumento foi escolhida uma para a análise do presente artigo, a questão escolhida foi justamente a que intencionava identificar a compreensão sobre a relação entre ensino e aprendizagem em História.

Foi solicitado que, de acordo com o seu entendimento, o aluno assinalasse em ordem de importância de 1 a 3 cada opção e que o aluno justificasse a sua escolha.

A tarefa da Didática da História “Analisar e investigar o significado da Ciência História de acordo com a realidade de seu tempo, ou seja, uma tarefa reflexiva” foi a opção mais escolhida – 12 alunos.
Alguns justificaram a sua opção:

“História é uma tarefa de reflexões; sendo necessário entender como se processam conceitos e aprendizagem; as técnicas e avaliações são necessárias para que o profissional verifique falhas ou avanços no contexto em questão” (Acadêmico 13).

“Compreender a ciência e a realidade em que esta inserida me parece prerrogativa para ensinar, os métodos e a prática devem vir depois” (Acadêmico 12).

“Para fazer com que o aluno tenha uma aprendizagem em História é necessário que o professor entenda a História de acordo com a realidade de seu tempo, só assim essa disciplina fará sentido para eles e para os alunos [...] (Acadêmico 14).

“Acho que antes de tudo, nós iniciantes [...] devemos saber o que estamos falando em segundo estabelecer normas que possibilitem a aprendizagem [...]” (Acadêmico 18).

“Entendo que, para dar significado para a Ciência Histórica deve ser contextualizada a realidade de seu tempo de forma reflexiva, nos campos socioeconômico e cultural. Em seguida estabelecer normas para o ensino da História utilizando-se dos recursos didáticos disponíveis nas instituições, concretizando dessa forma a aprendizagem. Ao mesmo tempo verifica-se a concretização do ensino em História quando o aluno responde positivamente aquilo que aprendeu em sala de aula e possa vir a colocar em prática no seu dia a dia” (Acadêmico 19).

“Acredito que em primeiro lugar é necessário adequar a Ciência História com a realidade, para posteriormente serem estabelecidas normas para que o aluno ao final do processo, tenha como resultado um aprendizado significativo” (Acadêmico 3).

A segunda tarefa mais indicada como opção foi “Fazer com que o aluno tenha uma aprendizagem em História. (Valorizar e acompanhar a aprendizagem de cada indivíduo entender como se dá a aprendizagem em História)” – escolhida por seis alunos e alguns argumentaram:

“Acredito que é de fundamental importância que o foco da didática em História esteja no aluno, o objeto maior do ensino. A partir do educando é que torna-se possível uma análise estrutural para as normas do ensinar e o objeto a ser ensinado” (Acadêmico 9).

“Primeiramente é necessário que o professor vá à aula com o intuito de ensinar, não apenas fazer o seu trabalho. Após, o professor deveria mostrar a ciência da Historia de uma maneira mais compatível com a realidade do aluno. Então os professores deveriam fazer um conselho para estabelecer as normas para o ensino de uma maneira mais prática e reflexiva” (Acadêmico 17).

Do total de acadêmicos que responderam ao questionário, apenas dois escolheram a opção: “Estabelecer normas para o ensino e a aprendizagem em História. (Métodos de ensino, criação e uso de recursos e técnicas, programações, controle de avaliação)”.
A argumentação de um deles foi:

“A partir do momento que são estabelecidas normas para a execução do ensino, ou melhor, sugerida a postura de professor, seria interessante trabalhar com a realidade do aluno para que ele possa compreender melhor o processo histórico. Assim, o ensino pode tornar-se mais eficiente, contando também com a observação do docente em relação a cada indivíduo (Acadêmico 5)”.

Em todas as argumentações percebe-se uma concepção de educação centrada no aluno, o que revela uma abordagem da teoria pedagógica, muito próxima do ideário da Escola Nova.

Quando indagados sobre qual tarefa da Didática da História julgavam ser a mais importante, houve uma polarização: uma opção relacionada à análise e à investigação do significado da Ciência História, de acordo com a realidade de seu tempo, ou seja, uma tarefa reflexiva; outra opção que associa a Didática da História à valorização da aprendizagem de cada indivíduo.

As respostas contêm indicativos de que esses acadêmicos relacionam a aprendizagem, não apenas como dependente de um conjunto de prescrições, mas como parte da História.

A relação entre o ensinar e o aprender não está centrada na ideia de que, para dar boas aulas é imprescindível estar preparado em relação aos métodos e técnicas, mas vai além dessa dimensão, faz-se necessário perceber o aluno e as possibilidades de relacionar o conteúdo à sua realidade. Em uma das respostas transparece a perspectiva de que a aprendizagem deve estar “adequada à realidade do aluno”, como afirma o Acadêmico 15:

“Eu poderia colocar como primeira em importância as duas últimas tarefas. Acredito que o ensino deva estar focado no aluno, e garantir a ele um bom desenvolvimento intelectual e de acordo com a realidade em que vive, [...] acredito também que normas e métodos devam atuar como guias e não sejam aplicados de forma rígida [...]”

Assim predomina uma forma de entender o ensino e a aprendizagem como ‘adequados ao aluno’, como afirma o Acadêmico 4: “Primeiro preocupar-se no ensino-aprendizagem dessa forma o aluno em primeiro lugar, para isto é necessário entender a ciência histórica para poder estabelecer as normas”.

A valorização da Didática da História pelos alunos pode ser indiciária da existência de uma disciplina com um código disciplinar próprio que deve fazer parte da formação inicial dos futuros professores de História.

As opiniões dos acadêmicos “textos invisíveis”, revelam, de forma explícita, elementos e características da natureza do código disciplinar da Didática da História, bem como seus embates face às dicotomizações pelas quais ela vem passando. Destacam-se principalmente questões relacionadas ao significado do método de ensino, a aprendizagem e do tipo de professor de História que se quer formar.

Referências
Ana Claudia Urban. Doutora em Educação pela UFPR. Professora de Metodologia e Prática de Ensino de História do Departamento de Teoria e Prática de Ensino (DTPEN). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação - Setor de Educação (UFPR). Pesquisadora da LAPEDUH (Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica/UFPR).

BARCA, Isabel (2001). Educação Histórica: uma nova área de investigação. In: Revista da Faculdade de Letras. HISTORIA. Porto. III Serie, vol.2, p. 13-21.

BARCA, Isabel (2007). Marcos de consciência histórica de jovens portugueses. In: Currículos Sem Fronteiras. v.7, n.1, Jan/Jul p. 115-126.

BERGMANN, Klaus (1990). A História na Reflexão Didática. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v 9 nº 19, p. 29-42, setembro de 1989/fevereiro de 1990.

FERNANDEZ CUESTA, Raimundo (1998). Clío en las aulas – la enseñanza de la Historia en España entre reformas, ilusiones y rutinas. Madrid. Ediciones Akal.

PAGÈS BLANCH, Joan (2004). Enseñar a enseñar Historia: la formación didáctica de los futuros profesores de historia. In: HERNÁNDEZ, José Antonio Gómez e MARIN, M. Encarnación Nicolás. Miradas a la historia reflexiones historiográficas en recuerdo de Miguel Rodríguez, p. 155-178.

PRATS, Joaquín (1997). La Investigación en Didáctica de las Ciencias Sociales. Notas para un debate deseable. In: La formación del profesorado y la Didáctica de las Ciencias  Sociales. Sevilla: Díada Editores, p. 9-25.

______ (2002). La Didáctica de las Ciencias Sociales en la Universidad Española: estado de la cuestión. En: Revista de Educación. MEC. Mayo Agosto 2002. nº 328. Madrid: Ministerio de Educación.

RÜSEN, Jörn (2001). Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília.

______ (2006). Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. In: Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07 – 16, jul.-dez.  Tradução de Marcos Roberto Kusnick.

______(2007). Reconstrução do passado. Brasília: Universidade de Brasília. Tradução de Asta-Rose Alcaide.

______ (2007). História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Tradução de Estevão de Rezende Martins.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora M.S. e GARCIA, Tânia M.F.B. (2005) A formação da consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de História. Caderno Cedes, Campinas, v.25, n.67, set/dez. p. 297-308.

16 comentários:

  1. Como podemos realizar atividades no cotidiano escolar fazendo com que os alunos da educação básica possa compreender e desenvolver uma consciência histórica? Notamos que existe uma grande dificuldade para os professores que não estão dentro dos novos discurssos sobre didática da historia. Nesse sentido, como podemos melhorar a formação desses jovens professores de História para apresentar didaticamente os conteudos históricos.

    Paulo Ênio de Sousa Melo

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    1. Olá Paulo, agradeço pela questão. Acredito que podemos considerar no processo a ideia de que as aulas podem contribuir para tornar o pensamento histórico mais complexo, e para isso entendo que as aulas precisam considerar pro exemplo o trabalho com fontes históricas. Também entendo que tudo é um processo, tanto na formação inicial, como na formação continuada, assim observo que momentos como este são necessários e sem dúvida contribuem na direção da formação da consciência histórica.

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  2. Como pensar o desenvolvimento da consciência história no âmbito do contexto da sala de aula e até mesmo fora dela permitindo que o estudante consiga avançar na aprendizagem histórica, chegando a competência narrativa de orientação para vida pratica? Visto que parece ser complexo para as crianças de ensino fundamental pensarem num sentido de compreender as relações passado, presente e futuro.

    Sandro Ambrósio Alves

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    1. Olá Sandro sua ponderação vale uma ótima discussão. Entendo que a preocupação do ensino de História deve voltar-se para a interpretação histórica e, para isso, precisamos considerar a ideia do/a aluno/a, professor/a (sujeito) no processo, trabalhar com fontes históricas, considerar que a história é uma interpretação.Você afirma que é complexo, concordo. Mas também entendo que todos pensamos historicamente, e tal pressuposto precisa ser considerado.

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  3. Dentro da perspectiva da didática da história, qual o papel do livro didático no processo de ensino aprendizagem?

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    1. Oi Carmem, sua questão é bastante interessante e necessária. Não podemos ignorar o livro didático, dado sua presença na escolarização. Vejo que os debates em torno da função do livro didático deve considerar que ele é uma forma de explicar a História: a forma do autor, da editora. Esse é um começo, isto é, que percebamos que o livro didático é portador de uma perspectiva do ensino, não a única. Obrigada pela reflexão.

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  4. Prezada professora Ana Clauda Urban,

    Quero parabenizar pelo texto e por dividir conosco suas pesquisas e reflexões sobre a importância da didática da história. Eu comungo com a ideia que temos muito a aprender com essa disciplina a luz da virada paradigmática dos alemães dos anos 70 e 80 do século XX, período no qual se produziu várias reflexões dessa natureza na Alemanha. Lamento o fato de que essas produções ainda não terem sido traduzidas para língua portuguesa. Assim como Rüsen propõe em seus textos, acredito que ao aproximar a didática da história da Ciência Histórica nos possibilita avançarmos de uma forma mais eficaz em relação às analises sobre o ensino e a aprendizagem histórica.
    Em que sentido a tarefa reflexiva da didática da história poderia contribuir com a formação inicial de professores?

    Max Lanio Martins Pina

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    1. Oi Max, eu é que agradeço pela oportunidade de 'conversarmos' sobre o assunto. Vejo que a tarefa reflexiva é a 'porta de entrada' para a discussão que considera que existe na ciência História um método e que, este método, mobiliza o pensamento histórico em sala de aula. As discussões de Rusen realmente nos ajudam a entender que a História possui uma função didática.

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  5. Poxa! Tenho dúvidas semelhantes às dos colegas acima, com um misto de inquietação também. Se levarmos a cabo o entendimento de RÜSEN de que a consciência histórica é algo "formativa", pois "orienta a vida prática", precisamos, por nosso turno, questionarmos: qual é a orientação necessária?

    Nesse caso, surge uma dúvida crucial aqui: todo o currículo escolar deve ser muito mais, extremamente mais flexível?

    E, portanto, a BNCC vem com uma proposta na contramão disso, pois não?

    Guilherme Nogueira Magalhães Muzulon

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    1. Oi Guilherme, realmente suas colocações são necessárias ao debate. A questão curricular precisa ser debatida, investigada junto a todos os sujeitos envolvidos. Precisamos estar atentos as questões que estão chegando e se 'instalando' junto a escola, especialmente em relação ao ensino de História e a BNCC é sem dúvida merecedora de discussões e estudos.

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  6. Ola professora Ana Clauda Urban a relação entre ensino e aprendizagem em História no seu ponto de reflexão é uma pratica reflexica ulticulural ou uma questão de didatica do conhecimento como "um código disciplinar próprio que deve fazer parte da formação inicial dos futuros professores de História."

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    1. Oi Ana Paula agradeço pela pergunta e possibilidade de reflexão. A aprendizagem histórica é um processo que considera a experiência do sujeito, seja ele aluno ou o professor, nesta direção entendo que é possível e necessário considerar que este sujeito carrega a sua relação com a história, isto é, ele pensa historicamente. Esta construção integra o que a teoria chama de 'texto invisível' do código disciplinar, que são as experiências de cada e também trazem a multiculturalidade própria da dinâmica que considera a vida da escola e dos sujeitos do universo escolar.

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  7. Boa Noite Professora Ana Cláudia. No sentido de se preocupar com uma significação da aprendizagem histórica, o que pode ser feito em relação ao ensino de história nos anos iniciais, uma vez que esse segmento não é de atuação específica do licenciado em história e parece haver um despreparo para a condução da disciplina no mesmo?
    Agradeço desde já,
    Olga Suely Teixeira

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    1. Olga, agradeço sua pergunta. Concordo com sua afirmação sobre a formação do professor dos anos iniciais. Por isso vejo que a formação continuada é um espaço de discussão e aprofundamento das questões sobre o ensino de História. Claro que a formação inicial cumpre um papel importante, porém sabemos que ela por si só não dá conta, então os espaços dentro da escola ou por meio de cursos contínuos, com metodologias definidas podem contribuir nesta direção, é o que venho tentando realizar.

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  8. Prezada, partindo da importância que Rüssen atribui a questão da narrativa e do papel que a consciência histórica tem para a orientação dos sujeitos na vida prática, poderíamos tecer uma aproximação entre esse autor e François Hartog, com seu conceito "regimes de historicidade"?
    Eduardo Roberto Jordão Knack

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