Everton Carlos Crema e Maria Auxiliadora Schmidt


O ENSINO DE HISTÓRIA REGIONAL, CURRÍCULO, LEGISLAÇÃO E O LIVRO DIDÁTICO


Nossa proposta vislumbra discutir os limites, problemas e eventuais soluções ligadas a necessidade, e no caso paranaense, a obrigatoriedade legal do ensino da história regional, frente ao Programa Nacional do livro didático (PNLD). Evidentemente, para nós, a criação de um programa nacional ligado à universalização do livro didático contribuiu significativamente para a educação básica brasileira. Reconhecemos também que o PNLD vem evoluindo, em muito pela própria dinâmica de seu desenvolvimento, bem como também, pela crítica constante de professores da educação básica brasileira e de especialistas ligados a academia. Não diferentemente, a crítica continuada também vislumbra outros problemas que surgem da própria caminhada e ensejam uma resolução equivalente as demandas que surgem do campo escolar.

Nesse sentido, e em direção a proposta apresentada, perguntamos: Como ensinar história regional em nossas salas de aula, quando nossos livros didáticos, não mencionam essa perspectiva em seus conteúdos programáticos?

A pergunta necessariamente enseja uma reflexão inicial, muito da pesquisa escolar e curricular, vem demonstrando significativamente que o currículo ensinado nas salas de aula, está muito mais próximo do conteúdo programático do livro didático que do currículo oficial. Isso nos mostra claramente que os professores em sala de aula se utilizam do livro didático como um equivalente de ensino, distanciando-se de um programa curricular oficial, ainda que tenham dele relativo conhecimento. Isso acontece por diversos fatores tais como: a facilidade didática do ensino baseado num conteúdo curricular concreto e disponível da relação ensino aprendizado, materializado no livro didático, que claramente além de conteúdos programáticos, possui encaminhamento didático pedagógico e referenciais teóricos específicos.

Também devemos olhar para uma cultura de distanciamento dos profissionais da educação para programas e currículos de ensino, muito fortemente vinculados a políticas de governo, que em sua sucessão e descontinuação, pouco colaboram com uma política de ensino continuada. A sucessão de programas educacionais, modelos didáticos pedagógicos, pedagogias de ensino, sem formação continuada para professores, acabam por forçar os professores a distanciar-se do campo de formação e a desconsiderar novas práticas de ensino e novos conteúdos curriculares, ou mesmo seu domínio, como alternativa viável, joga-se a criança junto à agua do banho no ‘mar das novidades educacionais’. Voltam-se então ao currículo oculto.

“A outra característica estrutural da política educacional brasileira, que opera como um óbice ao adequado encaminhamento das questões da área, é a descontinuidade. Esta se manifesta de várias maneiras, mas se tipifica mais visivelmente na pletora de reformas de que está povoada a história da educação brasileira. Essas reformas, vistas em retrospectiva de conjunto, descrevem um movimento que pode ser reconhecido pelas metáforas do ziguezague ou do pêndulo. A metáfora do ziguezague indica o sentido tortuoso, sinuoso das variações e alterações sucessivas observadas nas reformas; o movimento pendular mostra o vai-e-vem de dois temas que se alternam seqüencialmente nas medidas reformadoras da estrutura educacional”. (SAVIANI, 2008, p. 11)

Como resultado da alternância e descontinuidade o ensino fragiliza-se na inconstância de uma política de ensino de resultado, permitindo que gradualmente a experiência da professora e do professor, sobretudo a ‘experiência escolar’ se constitua numa espécie de currículo substituto. Ou seja, os acertos ou entendimentos individuais sobre ensino aprendizagem, fortemente baseados em suas experiências educacionais, se materializam como uma base reflexiva e propositiva do ensino de história, numa equivalência direta entre o resultado pessoal e a dinâmica da aprendizagem. Nesse processo graves problemas surgem dessa prática, pois além de negligenciarem as perspectivas legais, postas em seus respectivos documentos de ensino, criam um descompasso entre o currículo oficial e a prática pedagógica, pois não existe ensino sem conteúdo.

Também negligenciam o contexto histórico da educação, pois ao reproduzirem seus eventuais ‘acertos’ no ensino de história, negam a própria mudança histórica e replicam uma visão tradicional de ensino, pois ao ensinarem como aprenderam, negam a mudança no tempo, fundamental para o processo de aprendizagem. Nesse processo, suprimem o devir histórico e a diversidade social, criando perspectivas de ensino da história que se distanciam do cotidiano dos alunos, que precisam perceber no ensino de história conexões e relações com suas experiências de vida.

As consequências desse processo são uma formalização e historização do conhecimento histórico, adequado aos modelos e formas científicas do fazer história, mas significativamente distante da vida e dos valores, referenciais produzidos, que orientam alunas e alunos a agir em conformidade com o tempo, em suas mudanças. Produzimos modelos didáticos de ensino cognitivamente adequados à relação idade/série, mas distantes e deslocados da vida real significativa. Em parte, podemos perceber isso quando nossos alunos e alunas nos questionam acerca da validade do que ensinamos, e para que eles deveriam aprender tal conhecimento ou conteúdo. Todos já escutamos perguntas do tipo: Para que eu preciso aprender isso? Ou aonde eu vou usar isso?

“Como tais correlações são abordadas do ponto de vista da racionalidade do pensamento histórico, a mediação operada pela teoria entre ciência e profissão não pode reduzir-se a uma mera instrumentalização da ciência em benefício da profissão, nem se volta para a ciência “pura” em detrimento da aplicação dos conhecimentos por ela produzidos no contexto social do pensamento histórico”. (RÜSEN, 2001, p. 42)


Se defendemos que o conhecimento serve ao homem, ou seja, se produzido tendo em vista a própria humanidade, nada mais natural de concebermos esse conhecimento dentro do universo social, sobretudo escolar, da sala de aula para tudo o que for cotidiano, para tudo que vive. Mas ao pensarmos dessa forma, desafiamos uma cultura escolar, muito acostumada com uma ‘didatização’ do conhecimento, incorporada a uma ‘cultura escolar científica’ em parte, sustentada pela forte experiência e tradição escolar. Ao questionarmos as formas de ensinar/aprender história, também nos chocamos com a universidade, que em geral, nos cursos de história toma a historiografia, como um mecanismo de ensino próprio, desconsiderando os contextos formadores da ciência histórica, bem como os contextos sociais, daqueles que devem ser ensinados. Isso acaba por negar a compreensão dos modelos constitutivos do conhecimento histórico, pois o mesmo não é explicado a partir das ponderações ou caminhos, que permitiram esse conhecimento em específico, ser criado, mas de suas consequências, impactos e mudanças.

Então o conhecimento histórico é ensinado, a priori como fato, encarcerando as possibilidades críticas interpretativas da história como processo, como mudança ou ainda, mais lamentavelmente como realidade, pois não é presentificado em suas ações, consequências e influências aos dias de hoje, muito menos é humanizado como demonstração provável de resultado. Nessa direção pensar o ensino de história regional e sua ausência nos livros didáticos pode nos dar um excelente caminho de reflexão metodológica para superarmos os limites de um ensino de história tradicional.

Mas porque os livros didáticos nacionais do PNLD, não possuem em seus conteúdos a história regional em nível de uma cognição local? A resposta é bem simples, mas de considerável impacto, seria impossível dentro dos limites editoriais postos de um livro didático, considerar conteúdos e capítulos de história regional, se pensarmos o tamanho e a diversidade cultural em termos de Brasil. Mas ainda, que essa premissa justifique inicialmente o problema, o MEC - Ministério da Educação e Cultura, e nós também, teríamos por obrigação, ponderar e valorizar a questão a respeito dos conteúdos didáticos regionais, integrados aos conteúdos curriculares. Por outro lado, a criação de narrativas históricas nacionais, sempre estiveram presentes na crônica nacional, reforçando uma espécie de nacionalismo doutrinal, que bem serviu a ‘nação’, em detrimento do pensamento e história regional.

A ausência de conteúdos regionais nos livros didáticos, dentro do processo de ensino aprendizagem, cria um prejuízo cognitivo relevante, pois ao retirar conteúdos e conhecimentos próximos dos alunos, limita e restringe o processo de abstração do conhecimento, haja visto que a diminuição da relação experiência/vivência/conteúdo escolar escapa às salas de aula. Sucessivamente o aluno diminui sua capacidade de abstração, sem signos e significados postos pela experiência ou pela memória social imediata, imaginar algo, fica cada vez mais difícil, contribuindo determinantemente para o distanciamento do aluno da escola.

“A separação cria naturalmente um problema de integração e relação dos modelos e tipos de conhecimento, pois quando a realidade do aluno não é contemplada nos conteúdos escolares formais, em decorrência e insuficiência, os conhecimentos escolares, também não se farão presentes, no cotidiano e na vida prática dos alunos (as). Nossos alunos não foram ensinados, sobretudo, foram desestimulados, a utilizarem e relacionarem o conhecimento científico com o conhecimento cotidiano, deixando de produzir uma síntese. Por isso nossos alunos (as), em geral, não constroem relações entre o conhecimento histórico e a vida prática de forma significativa, tornando as aulas de história monótonas, desprovidas de validade, de sentido, de vida, que ficam sempre no passado. O distanciamento entre o conhecimento como experiência e o conhecimento científico, necessariamente mediado pelo professor, deve incorporar e relacionar esses dois universos”. (CREMA, 2016, p.58-59)


Resta clara, a importância dos conteúdos e conhecimentos regionais nas diversas fases de escolarização, não somente porque permitirão ao aluno conhecer a própria história e a partir dela, situar, compreender e relacionar suas ações em conformidade com o tempo, aqui entendido como tempo de realização, experiência e perspectivação. Mas porque parte desse resultado, constrói estruturas de compreensão e conhecimento histórico, próximos do conceito de Educação Histórica. Segundo Maria Auxiliadora Schmidt (2009), a noção de ‘educação histórica’ permite a relação direta entre a aprendizagem histórica e compreensão histórica a partir dos pressupostos da ciência histórica. O aluno aprende história da mesma forma que historiadores fazem seu trabalho histórico, sem mediações cognitivas externas, entre o ensino e aprendizagem descontextualizadas. Dentro da aprendizagem histórica a educação histórica se constrói de forma direta com o conhecimento histórico e a consciência histórica do aluno, se aprende história, historicamente. O resultado desse processo é a criação de uma racionalidade histórica, onde as diversas categorias do pensamento, constroem uma forma de compreensão do raciocínio histórico e não a organização de um conhecimento histórico específico.

“[...] onde os processos mentais ou atividades da consciência histórica podem ser considerados os fundamentos da Didática da História, pois tratam-se de processos de pensamento estruturados do pensamento histórico e, portanto, da consciência histórica, os quais encontram-se por trás dos conteúdos”. (SCHMIDT; BARCA; URBAN, 2014, p.28).

A proposta da educação histórica, ultrapassa as metodologias de ensino tradicionais e as regras para se aprender história, em direção a produção da compreensão histórica contextualizada e imediatamente ligada a experiência. Sendo nesse sentido, a história regional o lugar e o espaço do conhecimento histórico mais adequado à assimilação e compressão inicial da história por parte dos alunos. Não diferentemente vemos na educação das séries iniciais e na própria constituição do currículo, uma sequencialização, que parte de uma história local em direção a uma história geral, em todo o percurso da educação básica. Isso nos informa níveis de dificuldade crescente, não em relação aos conteúdos, mas efetivamente em relação aos níveis de compreensão baseados nas possibilidades de abstração e imaginação relacional, que nossos alunos e alunas desenvolvem crescentemente, se pensado o ensino de história, a partir das realidades e experiências próximas.

Em termos práticos não é somente a validade do conhecimento histórico regional que aqui se defende, mas especificamente um encaminhamento metodológico proveniente da educação histórica, como metodologia de ensino, por estar mais próxima do conhecimento social e histórico, tanto dos alunos como dos professores de história. Essa aproximação necessária deverá acontecer na sala de aula, perspectivando uma qualidade distintiva no ensino e na compreensão da história. Pois se tratando de uma história regional, os atributos do conhecimento humano sustentados, pela experiência e pelo cotidiano comum de alunos e professores, resultará necessariamente num ensino de história significativo, que transcende o conhecimento histórico e que pela educação histórica atinge um resultado qualitativamente maior. O aluno aprende a aprender história, o professor aprende a ensinar história e desse resultado a qualidade do ensino aprendizagem gera uma satisfação e afetividade maior, entre os entes escolares e a compreensão do processo histórico.

“Assim, ensinar e aprender fazem parte indissociável de um mesmo processo de constituição de sentido do agir no tempo, em particular de sua conexão com o que havia ontem e com o que há hoje, que – juntos – são indispensáveis para explicar o quê e porque haverá isso ou aquilo amanhã”. (MARTINS apud SCHMIDT; BARCA; URBAN, 2014, p. 48).

Problemas ainda não resolvidos se somam a essa equação, quando percebemos a falta de material em nível suficiente, para se trabalhar a história regional, também em seu localismo, não somente pela ausência, como já dito, da história regional junto ao Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, mas também pela falta de pesquisas, produção e publicações de história regional e local, nas universidades brasileiras, herança de uma academia presa as grandes crônicas. Ainda que em termos gerais e em específico, no estado do Paraná, esse perfil de pesquisa venha se modificando, sobretudo pela criação de programas de pesquisa, em nível de mestrado e doutorado em formato descentralizado e regionalizado. Outra questão a ser considerada, num plano prolongado, foi a promulgação da Lei 13381 de 18 de dezembro de 2001, que no estado do Paraná, tornou obrigatório o ensino de história regional, em todo e o ensino fundamental e médio. Lei que ainda carece de incentivo e reconhecimento efetivo, mas que vem ensejando uma mudança necessária ao exigir o desenvolvimento de ações e conteúdos específicos para a história paranaense.

Em pesquisa de campo desenvolvida pelo projeto de pesquisa ‘linguagens e tecnologias para o ensino da história’ fomentada pela Fundação Araucária, junto ao projeto de verticalização da universidade paranaense e a UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná, através do Programa de Iniciação Científica, PIC - UNESPAR, entrevistamos 31 professores e professoras de história, do Ensino Fundamental e Médio, na cidade de União da Vitória – Paraná, atingindo quase a totalidade de professores em exercício, em mais de 15 escolas na cidade. Nas mais de 24 perguntas apresentadas aos professores, no segundo semestre de 2017, sobre o tema da pesquisa, buscamos desenvolver uma complementariedade investigativa ligada ao ensino, currículo, livro didático, problemas e soluções no ensino. A pesquisa semiestruturada apresentou dados significativos e vem sustentando e ampliando o debate e a proposição de ações investigativas e interventivas, na licenciatura e nas escolas da rede estadual de ensino, através do LAPHIS – Laboratório de Aprendizagem Histórica – UNESPAR – União da Vitória.

Nas análises não identificaremos os nomes de professores e escolas participantes, por questões de sigilo e confidencialidade. Especificamente nos ateremos à análise e crítica de perguntas que se relacionam direta e indiretamente às questões propostas no texto, dentro de seus claros limites e intenções. Perguntamos aos professores: O que falta no livro didático?

“Eu sinto muita falta é de a gente trazer, primeiro um debate mais local, mais próximo da gente, para o aluno não ficar muito afastado daquela realidade e mais perguntas que faça o aluno pensar. A gente tem que botar o aluno para pensar, as respostas não podem vir dadas, tem que botar o aluno para pesquisar, para ver que a história tem diferentes ângulos, eu uso muito o exemplo de União da Vitória, que nós temos uma história escrita por ilustres, da elite da nata da sociedade, que simplesmente negam a existência do índio e do negro na formação do nosso povo, o que não condiz com a verdade, então eu gosto muito de trazer para esse ponto. Então você não tem uma história sobre as mulheres de União da Vitória, e por aí vai, a história do Contestado ela ainda é um pouco escassa no ponto de vista dos sertanejos, a gente escuta muito generais, senhores, netos de fazendeiros e por aí vai”. (Entrevista professor 04, 2017)

“Como falei, imagem não falta, conteúdo não falta, eu acho que falta uma adaptação da linguagem em alguns livros didáticos, falta uma atenção para os currículos regionais, eu acho, eu acho que isso é uma questão de indústria mesmo, muito difícil para a indústria dizer, essa que trabalha com livro didático, vou fazer específico para algum lugar. Então falta mais essa atenção da regionalização e isso se tornou um pouco cultural”. (Entrevista professora 08, 2017)

“Depende muito do livro, falta a utilização de mais documentos e história regional, livro é nível nacional, então quando se trata da Guerra do Contestado, que é muito nossa, ele é muito pobrinho sabe, até entendo que a nível nacional, mas pela importância da história do Contestado, ele tinha que ser, por exemplo, melhor abordada, a gente complementa, tem ali, mas ele é muito pobre”. (Entrevista professora 09, 2017)

“A nossa clientela aqui é sofrida pelas condições do colégio, pelos pais desempregados, num ambiente, no bairro que eles moram é meio violento, então não adianta você querer mostrar coisa bonita para eles porque não é a vida deles, eles não vão entender, eles não tem interesse, então eu procuro adaptar sempre, eu sempre estou adaptando, eu falo mais, do que uso o livro, porque eu tento sempre aproximar da realidade deles, entende?” (Entrevista professora 19, 2017)

Os fragmentos colhidos das entrevistas são excertos, de extensas conversas realizadas de forma coloquial e informal com os entrevistados e encerram uma tentativa de captar ideias, práticas, vontades, perspectivas e abstrações diversas, dos professores em seu cotidiano profissional, a fim de comparativamente estabelecer uma constância indicativa da linguagem e das práticas narradas, permitindo indiretamente nos colocarmos no lugar do entrevistado.  Evidentemente que a fala das professoras e professores não é neutra, muito menos inconsequente, são falas de profissionais experimentados e habilitados, que compreendem seu papel, suas condições de trabalho e bem sabem, que falam para colegas professores da licenciatura, dentro de uma pesquisa institucional. Nem tudo se fala, nem tudo se esconde. Mas em termos gerais, o que os fragmentos nos dizem em relação ao tema proposto? 1. A ausência de temas regionais e locais nos livros didáticos. 2. A presença de um discurso oficial, branco e patriarcal, 3. Conteúdos e ou fontes reduzidas, 4. Distanciamento dos conteúdos das realidades sociais.

Ultrapassando a fala pontual das professoras e professores percebemos claramente a evidencia de que os conteúdos programáticos, pouco se comunicam com o cotidiano regional mais contextualizado, e isso de forma concreta, se manifesta em uma dificuldade didática metodológica que se insere profundamente no ensino aprendizado. Para o professor a falta de um conteúdo histórico mais próximo, dificulta o ensino de uma história significativa, sobretudo dentro de uma ‘educação histórica’ que possua validade e ligação com as experiências e conhecimentos sociais do aluno. O descompasso entre conteúdos escolares e validade de conhecimento ensinado, gera um esvaziamento e desinteresse do aluno para com o conteúdo, disciplina, professor, escola e por fim educação. Ao ensinarmos uma história com conteúdos e meios tradicionais, distanciamos o aluno daquilo que melhor sintetiza o papel da educação, a humanização e o direito a tudo que é belo e bom, a tudo aquilo pelo que se vale a pena lutar e a ser defendido.

Para o aluno o ensino tradicional da história, não tem significado, nem lógica, pois ele não aprendeu a relacionar o conhecimento histórico as experiências e significados sociais, muito menos a se apropriar desse conhecimento construindo compreensão. Toda vez que o aluno aprende um conteúdo histórico por uma metodologia tradicional, reafirma um distanciamento de si e do mundo, construindo uma irrealidade prática para si, toda a beleza que a história traz consigo, se perde, se desencanta. Boa parte dos professores aponta e compreende a relação entre a história e a vida dos alunos, não só em termos cognitivos, mas como experiências reais de vida. As professoras e professores precisam receber formação continuada, mas, sobretudo, precisam integrar ao seu trabalho docente a pesquisa aplicada, sobre tudo aquilo que permeia a cultura escolar e o ensino de história, o professor precisa pensar as condições de produção do conhecimento e não exclusivamente pensar as relações de ensino aprendizagem.

Mas como ensinar história regional na sala de aula? Segundo os professores da rede pública paranaense, muito já se faz:

“No meu ponto de vista, por exemplo, um livro que eu vou ensinar no estado do Paraná, ele tinha que tentar jogar em toda a história, alguma história do Paraná, falar da segunda guerra, mas ali vai vim no livro didático um pouquinho, eu não vou nem falar de União da Vitória que eu sei que é radical demais, mas se eu tô no estado do Paraná acho que o livro tinha que contar, por exemplo, a história da segunda guerra no Paraná, a imigração no Paraná, ou em Santa Catarina, pra não ficar um negócio muito vago, daí as vezes foge ? Nós temos uma lei que obriga a ensinar história do Paraná, mas onde vamos encontrar tempo se a gente tem que seguir o tal do livro didático, e onde vai encaixar história indígena, a história africana, a história do Paraná nesse meio”. (Entrevista professor 05, 2017)


“Eu acho que nessas temáticas que falam sobre as minorias, sobre o ensino de história afro-brasileiro, história indígena, são temáticas que lidam com feridas sociais ainda muito fortes. Nos últimos 15 anos teve um avanço significativo, o Paraná tem aqui, as escolas todas desenvolvem um grupo interdisciplinar pra lidar com essas situações, mas é uma coisa ainda muito superficial, no sentido que muitas escolas entendem isso como só mais uma burocracia, e outras não! Fazem um trabalho a fundo, fazem discussão com grupos de pesquisa, de discussão. Então eu acho que essas questões tinham que ser mais aprofundadas no currículo”. (Entrevista professora 12, 2017)


“Não é só um livro didático que eu uso né, as vezes eu trago outros, daí eu dou uma olhada, daí o texto que eu acho interessante eu levo pra eles sobre o conteúdo que tem que ser apresentado, daí eu faço uma exposição oral mas eu sempre deixo aberto para que eles possam perguntar, debater, as vezes acontece, que eu fico bem feliz com isso, que um aluno, aluna sabe um pouco mais sobre o assunto daí a gente começa a fazer um debate, conversa. Eu gosto muito de interpretação de textos, também dependendo do livro, eu acho fundamental fazer com que as alunas e os alunos comecem a pensar, raciocinar pra poder expor a ideia deles. Mas eu acho que só livro didático não é tudo pra gente trabalhar em sala de aula”. (Entrevista professor 26, 2017)

“Então num outro colégio, a gente fez um trabalho de reconhecimento de história local, no qual a gente utilizou o google earth, google maps, pra saber onde que eram as casa deles e mapear as casas deles, e cada um produziria uma espécie de documentário, com fotos, falando do lugar, e a gente faria uma mini pesquisa, e depois a gente imprimiu um mapa gigante, até uma carta do exército de 1973, se não me engano pra colocar, colocava ali os pontos numerados onde que era a casa de cada um. E uma pergunta que o pessoal me fez era se aquilo era um trabalho de história ou um trabalho de geografia.” (Entrevista professora 08, 2017)


Novamente as falas de nossas professoras e professores, apontam questões sobre o ensino de história regional, constatamos alguns pontos de contato comum: 1. Integração ou aproximação didática das historiografias, 2. Uma história vista de baixo ou uma burdening hystory (história difícil), 3. Variedade de abordagens históricas e metodológicas, 4. Necessidade de reflexão e pesquisa sobre o ensino de história. Resta claro que a prática do ensino de história caminha numa direção acertada, entretanto, mais como uma intuição individual, do que um programa ou projeto de ensino, que passe por uma reflexão conjunta, baseada em pesquisa aplicada, de forma continuada e de resultado. A falta de uma formação continuada efetiva nas escolas paranaenses, cobra seu preço e lamentavelmente o governo paranaense vem protelando a continuidade de um dos programas de formação continuada, mais promissores e de resultado, desenvolvido nas escolas paranaenses - o ‘Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE,’ segundo a Secretaria da Educação:

“O PDE é uma política pública de Estado regulamentado pela Lei Complementar nº 130, de 14 de julho de 2010 que estabelece o diálogo entre os professores do ensino superior e os da educação básica, através de atividades teórico-práticas orientadas, tendo como resultado a produção de conhecimento e mudanças qualitativas na prática escolar da escola pública paranaense. O Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, integrado às atividades da formação continuada em educação, disciplina a promoção do professor para o nível III da carreira, conforme previsto no "Plano de carreira do magistério estadual", Lei Complementar nº 103, de 15 de março de 2004.

Objetivo
O objetivo do PDE é proporcionar aos professores da rede pública estadual subsídios teórico-metodológicos para o desenvolvimento de ações educacionais sistematizadas, e que resultem em redimensionamento de sua prática.
 Quem pode participar?
O PDE se destina aos professores do quadro próprio do magistério (QPM), que se encontram no nível II, classe 8 a 11, da tabela de vencimentos do plano de carreira.
 Afastamento
O professor que ingressa no PDE tem garantido o direito a afastamento remunerado de 100% de sua carga horária efetiva no primeiro ano e de 25% no segundo ano do programa.
 Aproveitamento da titulação
A titulação dos cursos de mestrado e/ou doutorado será aproveitada para a obtenção da certificação do PDE, nos termos da Lei Complementar n.º 103/04, Art. 11, Inciso IV e Lei Complementar 130/10, Art. 8º, §1º.
 Proposta pedagógica
O PDE oferece cursos e atividades nas modalidades presencial e a distância e disponibiliza apoio logístico e meios tecnológicos para o funcionamento do programa. A orientação pedagógica está fundamentada nos princípios educacionais da Seed e nas diretrizes curriculares da Seed”.


O exposto acima apresenta de forma objetiva, os parâmetros do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, vinculado à Secretaria da Educação do Estado do Paraná - SEED, desde 2007, produzindo efetivos resultados dentro da educação básica paranaense. De forma geral o programa buscou aproximar a escola da universidade, onde a experiência do professor e a percepção das demandas de ensino e formativas se somavam a pesquisa científica, nas áreas específicas da universidade paranaense. Muito e de excelente qualidade foi produzido e se encontra disponível para pesquisa no sítio da Secretaria Estadual da Educação do Paraná – no ícone ‘produções PDE’, desde o projeto de pesquisa, a implementação em sala de aula e sua descrição, como a elaboração de artigo científico descrevendo todo o processo, servem de subsídio para a pesquisa e ensino em seus diversos níveis.

Pontualmente, defendemos que modelos de pesquisa e formação educacional, possam ser estendidos de forma sistêmica dentro das escolas paranaenses, integrando metodologias de resultado e níveis educacionais. Devemos evitar ações de intervenção e crítica pontual no ensino e na escola, que pouco possam significar em médio prazo. Torna-se necessário compreender os contextos formativos do professor paranaenses e as distancias teórico metodológicas, presentes nas salas de aula. Em geral as formações ‘continuadas’ não discutem aportes teóricos significativos em termos de uma ‘educação histórica’, metodologias e modelos de ensino, são apresentados e reproduzidos como receituário, pouco fecundos.  Os problemas surgem quando o professor não se apropria de um cabedal de conhecimento significativo, que permita a ele, compreender como deve ensinar e como seu aluno pode aprender. A falta dessa compreensão e a ausência de resultado significativo no processo de ensino, está posto. Não é sem pressa, que precisamos reagir aos contextos apresentados, pois somos um dos grupos profissionais que mais vem adoecendo contemporaneamente.  Crescentemente, estamos nos afastando da sala por questões médicas e os impactos em médio prazo, na educação e na carreira docente são significativos. Uma docência responsável, com resultado, no ensino aprendizagem, gera e replica satisfação docente e qualidade de ensino para todos.

Referências
Everton Carlos Crema. Professor Assistente da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR – campus – União da Vitória – membro do LAPHIS – Laboratório de Aprendizagem Histórica – doutorando pelo Programa de Pôs Graduação em Educação- UFPR – Educação Histórica, sob orientação de Maria Auxiliadora Schmidt.
Dra. Maria Auxiliadora Schmidt. Professora da Graduação e Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná – UFPR – Pesquisadora chefe do LAPEDUH – Laboratório de Educação Histórica.

CREMA, Everton Carlos. Rüsen e o “novo humanismo” reflexões para a educação e a diferença. In: BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton. Gênero educação e sexualidades: reconhecendo diferenças para superar [pré] conceitos. Uberlândia. Editora dos autores, 2016.

SAVIANI, Demerval. Política educacional brasileira: limites e perspectivas. In Revista de Educação, PUC Campinas n 24 p. 7-17, junho de 2008.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel. Aprender história: Perspectivas da educação histórica. Ijuí: Editora Unijuí, 2009.

Secretaria da Educação do Estado do Paraná. PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional. Disponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=20

RÜSEN, JÖRN. Razão Histórica: Teoria da história os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.


12 comentários:

  1. olá, colegas. Os PNLD's recentes incorporaram livros regionais que tem trazidos boas contribuições.Nesse ano, na esteira na implantação da BNCC, o MEC excluiu os regionais do próximo PNLD. Como vcs avaliam essa atitude e sua repercussão sobre o ensino do local e regional?

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    1. Pessoalmente vejo isso como um projeto de homogenização e unificação do currículo em nível nacional, um projeto que já vinha se delineando a partir do MEC. Penso que as consequências para o ensino regional e a diversidade cultural do Brasil são grandes, sobretudo se percebermos que em grande medida é o livro didático em seu conteúdo e me odologia de ensino nos diz o que e como ensinar. Lamentável.

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  3. Olá!! Em primeiro lugar gostaria de parabenizá-los pelo texto. Tenho uma questão que envolve o PNLD. Na opinião de vocês, qual o impacto da BNCC no PNLD?

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    1. Olá Carmem, lamento pois o enfoque da pesquisa não analisou os impactos da BNNC, ate´porque os livros didáticos criados a partir da nova base ainda não estão nas escolas, entre outras questões. Abraço

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  4. Alexandre Black de Albuquerque10 de abril de 2018 às 09:13

    É claro que há uma evidente dificuldade em produzir livros didáticos com conteúdo regional, no entanto, não há, também, uma tentativa de “unificação” da história brasileira? Uma diminuição dos regionalismos em prol de uma história nacional totalizante?
    Alexandre Black de Albuquerque

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    1. Sim, penso que sim. Acho lamentável dada a diversidade cultural do nosso país e sua trajetória histórica, mas também, porque a história regional/local é a história imediatamente significativa para nossos alunos, em geral uma história muito próxima de suas realidades sociais. Retirar conteúdos regionais em benefício de uma crônica histórica nacional, diria, pouco confortável, me incomoda muito, também atinge estratégias metodológicas de ensino próximas do conceito de uma educação histórica significativa. Aproximar a história dos alunos e torná-lá válida em suas realidades fica rá mais difícil e mais distante, sobretudo se percebermos como as práticas de ensino e os acertos dos currículos ocultos se apresentam na educação básica. Penso que uma possibilidade seria usarmos a história regional como temáticas transversais. Distanciar a validade imediata da história dos alunos é negar a história como forma de conhecimento, com serias implicações.

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  5. Ola boa noite as entrevistas representam a ausência de uma formação continuada com base na prática da pesquisa no contexto escolar as bases legais que norteiam o ensino de Historia estão voltadas para a nova historiografia cito os PCN (1999/2000) as no entanto não são lidas debatidas e criticadas é necessário haver na pratica a tríade entre ensino pesquisa e extensão universitária.Como o LAPHIS – Laboratório de Aprendizagem Histórica – pratica essa triade?

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  6. Olá Ana Paula, Olha acho que tudo oque a gente (Toda a Universidade Brasileira) vem fazendo, buscando integrar ensino, pesquisa e extensão, faz com claros limites e dificuldades, Nosso LAB, surgiu das demandas presentes do ensino, oque exigiu uma contrapartida na pesquisa e por ultimo fomos pra extensão, em formações e trabalhos conjuntos com professores da rede pública, sentimos essa necessidade. Lecionamos num curso de licenciatura que pouco se articulou com a educação básica, fomos pra fora da universidade pra poder melhorar o ensino de história na graduação. A universidade no Brasil, com exceções, vem se abrindo lentamente em direção a sociedade, precisamos ocupar espaços e buscar um novo olhar. Com muito trabalho, de verdade, a gente consegue substanciar nosso trabalho, oferecer bolsas de pesquisa e extensão pros alunos e estamos muito felizes com esse trabalho. Em parte esse simpósio é resultado disso também e do trabalho colaborativo entre universidades- UFRJ Dr. André Bueno e UFPE - Dr. Jose Maria. Resta nosso desejo de fazer mais.....

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  7. Olá professor Everton, parabéns pelo texto. Concordo com sua perspectiva sobre a situação do ensino de história, dá um certo desespero quando no texto tu cita: "Para o aluno o ensino tradicional da história, não tem significado, nem lógica, pois ele não aprendeu a relacionar o conhecimento histórico as experiências e significados sociais.". Gostaria que o senhor comentasse o que considero dois dos pontos que promovem a continuidade da dogmatização dos conteúdos do livro didático: uma o problema da formação docente e a segunda é a prática do ensino de história por quem não é formado em história, até que ponto isso afeta o processo de aprendizagem dos alunos? Outra coisa que me trás muitas dificuldades em sala de aula, e trabalho com os anos finais do ensino médio, é que os estudantes têm pouquíssimo conhecimento anterior, até que ponto é possível imprimir criticidade nas mentes sem informação? Desde já obrigado pela atenção. Abraços.

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  8. Olá Luciano, vamos lá. penso que a formação universitária foca a perspectiva científica/historiográfica da história, quando o ensino e suas metodologia são pouco valorizadas, isso vem do perfil da universidade, do perfil dos professores que em geral tem pouco contato com a educação básica e isso cria barreiras reais. Veja, há pouca pesquisa integrada ente a Universidade e a educação básica de forma significativa. Segundo: Tenho certeza que professores de outras áreas terão muita dificuldade em ensinar história, dados os limites sobre o campo. Nesse sentido a educação histórica permite compreendermos as formas de ensinar e aprender história em termos qualitativos significativos. Sugiro a leitura de obras da prof Maria Auxiliadora Schmidt - UFPR. Quanto aos alunos do final do Ensino Médio penso que os déficits educacionais não serão resolvidos de pronto, mas penso que relacionar o conhecimento social dos alunos, suas angustias, o que vêem e sentem, sobretudo hoje em nosso país é abrir possibilidades de compreensão da realidade a partir dela própria em articulação com a contextualização histórica. Veja, nossos alunos já possuem uma serie de inquietações, criticas e ponderações, precisamos articula-lás aos conteúdos de história numa história viva! Abraços.

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    1. Perfeito professor, é isso mesmo! Quem dera houvesse essa lucidez nas universidades do país.

      Luciano dos Santos Ferreira

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