Cristiano Augusto Durat

O ENSINO DE HISTÓRIA E O “NOVO” PROTAGONISMO INDÍGENA

Nos últimos anos a temática indígena ampliou seu escopo documental e o uso de novas metodologias de análise tem contribuído consideravelmente para uma 'nova' história indígena. Escrito não apenas por pesquisadores simpatizantes das questões que envolvem esse universo, mas sob o ponto de vista de seus protagonistas. Mesmo que haja um esforço contínuo na aplicação da Lei 11645/2008, sua efetividade ainda ocorre de maneira muito tímida nos espaços escolares. Permanece em muitos casos manifestações discriminatórias, excludentes e conhecimentos culturais descontextualizados, sendo algumas vezes incoerentes com a história desses povos na sociedade brasileira. Nesse sentido, é chegado o momento de ampliar a participação das comunidades indígenas nas instituições escolares para construir um diálogo sobre os “saberes indígenas”. Até pouco tempo esses saberes eram restritos ao grupo étnico e agora surge como um importante mecanismo de disseminação da sua visão de mundo, verbalizando os motivos que justificam suas trajetórias de resistência e as estratégias políticas de lutas na atualidade. Situações que podem ser apreciadas nas publicações de livros, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses acadêmicas. Diante disso, o debate que propomos nesse texto é levantar alguns apontamentos sobre temas que tem sido objeto de pesquisa desses indivíduos no sentido de construir estratégias de aprendizado que permitam aos professores de história da educação básica ampliarem seu conhecimento sobre os povos indígenas no Brasil.

Um “novo” protagonismo indígena?
Ao aproximar-se os 500 anos de “descobrimento” do Brasil várias instituições da sociedade brasileira, especialmente na esfera acadêmica, organizaram seminários, simpósios e encontros para debaterem e refletirem sobre os cinco séculos da chegada dos portugueses no litoral brasileiro. Entre os principais assuntos das comemorações a temática indígena ocupou boa parte desses encontros com representantes indígenas e especialistas no assunto. Se para uma parcela da população os “quinhentos” tinha um tom festivo, para os povos indígenas era o momento de revisitarem o passado, avaliarem os ganhos e perdas no presente e projetarem lutas políticas junto ao estado brasileiro, especialmente, para suas demandas emergenciais como a demarcação de seus territórios tradicionais, políticas públicas na saúde e uma educação escolar indígena comprometida com os saberes tradicionais. Como resultado desses momentos de reflexão e debate produziram-se documentários áudio visuais e um conjunto de livros foram publicados para servirem como um instrumento de luta desses povos, mas também para serem utilizados como materiais didáticos nas instituições de ensino do país. Entre essas publicações uma em especial chama atenção por trazer temas que envolvem o universo indígena o livro 'A outra margem do Ocidente', uma coletânea de textos com ensaios de pesquisadores e de alguns líderes indígenas. (Novaes, 1999)

Se de algum modo naquela ocasião das comemorações dos quinhentos era possível projetar algo para os próximos anos sobre a temática indígena, podemos atribuir um tom quase profético no artigo do historiador John Monteiro, escrito para a compor a obra. Na ocasião Monteiro alertava para o surgimento de um novo modelo de escrita para esses povos “[...] a história indígena dos índios tem que lançar mão de categorias analíticas e de imagens e representações que são produtos do mundo dos brancos. ” (Monteiro, 1999, p. 244)

Passaram-se quase duas décadas desde a publicação deste texto e as palavras de Monteiro parecem ganhar um espaço maior na história desses povos na contemporaneidade. Esse aumento que tem consolidado o interesse pela temática indígena se refere com base no aprimoramento de novas metodologias de análise, em grande parte, pelo diálogo cada vez mais sistêmico com outros campos de conhecimento como a Antropologia e a Arqueologia. Os fatos históricos que envolvem a temática indígena por toda a historiografia brasileira ganha novos sentidos e novas interpretações graças a um crescente interesse dos pesquisadores em apresentá-los não como vítimas de um processo de ocupação e desmantelamento da sua organização social, mas como protagonistas de sua história, decidindo e organizando estratégias de sobrevivência em contextos diversos, algumas vezes participando como aliados e em alguns casos do lado oposto. De modo que os temas de pesquisas se tornam infinitos somados a presença mais expressiva de pesquisadores indígenas nos cursos de graduação e pós-graduação nas universidades brasileiras, contribuindo consideravelmente para a compreensão da história desses povos a partir de sua “história” e visão de mundo.

No entanto, a amplitude dos conhecimentos indígenas não se dá apenas na esfera acadêmica. Há um crescimento considerável de livros escritos e publicados por lideranças indígenas políticas ou religiosas. Com um tom de alerta esses sujeitos verbalizam seus conhecimentos na intenção mobilizar a sociedade para um diálogo mais comprometido com o futuro não apenas de seu grupo, mas para toda sociedade. Entre os textos com esse teor de alerta é o livro 'A queda do céu: palavras de um xamã yanomami’ de autoria de Davi Kopenawa em parceria com Bruce Albert. (Kopenawa; Albert, 2015) Longe de ser um livro sobre teoria antropológica a obra em questão é antes de tudo um apelo para a sociedade não indígena, para o modo de vida dos brancos, conforme o prefaciador da obra Eduardo Viveiros de Castro:

“Este livro é um livro sobre o Brasil, sobre um Brasil – decerto, ele é ostensivamente ‘sobre’ a trajetória existencial de Davi Kopenawa, em que o pensador e ativista político yanomami, falando a um antropólogo francês, discorre sobre a cultura ancestral e a história recente de seu povo( situado tanto em terras venezuelanas quanto em brasileiras), explica a origem mítica e a dinâmica invisível do mundo, além de descrever as características monstruosas da civilização ocidental como um todo e de prever um futuro funesto para o planeta- mas,  de um modo muito especial é um livro sobre nós, dirigido a nós, os brasileiros que não se consideram índios.”(Viveiros de Castro, p.12)

O livro compreende um conjunto de temas, falas e narrativas míticas do xamã Davi Kopenawa registrados pelo etnógrafo Bruce Albert ao longo de muitos anos na língua yanomami. De acordo com José Antonio Kelly, foi no final dos anos 80 que Kopenawa procurou Albert para que ele fosse o “tradutor” do seu discurso cosmo político exatamente no contexto dos projetos desenvolvimentistas em seus territórios tradicionais. Naquela ocasião iniciavam os trabalhos de construção da perimetral norte e a invasão dos garimpeiros em suas terras. (Kelly, 2013)

Nesse contexto de intenso movimento de apropriação indevida do solo e dos recursos naturais da floresta, Kopenawa polariza uma incansável luta pela demarcação de seus territórios e pela preservação de seu espaço sociopolítico, espaço este de extrema importância e lócus de sua organização social. Alguns grupos indígenas que haviam permanecido distante das frentes de expansão tiveram que assumir a identidade atribuída pelo estado como sendo “índios” e seus territórios “terras indígenas”. Assim, como afirma Bruce Albert, os indígenas tiveram que reorientar suas práticas como condição política de resistência e permanência de sua especificidade social. (Albert, 1995)

O texto de autoria de Davi Kopenawa é um exemplo interessante das inúmeras estratégias do movimento indígena contribuído para um revisionismo na historiografia brasileira sobre a temática indígena demonstrando o modo como essas populações interpretaram e reagiram aos projetos de integração à sociedade envolvente. Nessa perspectiva Maria Regina Celestino de Almeida é enfática:

“[...] os povos indígenas em diferentes tempos e espaços começaram a aparecer como agentes sociais cujas ações também são consideradas importantes para explicar os processos históricos por eles vividos. Essas novas interpretações permitem outra compreensão sobre suas histórias e, de forma mais ampla, sobre a própria história do Brasil. ” (Almeida, 2010)

A presença cada vez mais expressiva de índios nas universidades brasileiras tem sido um espaço importante para que esses sujeitos apresentem o seu ponto de vista sobre os processos históricos a que foram submetidos no passado por meio dos seus trabalhos de conclusão de curso (TCC), dissertações e teses acadêmicas. Não temos a pretensão de fazer um levantamento dos trabalhos defendidos pelos acadêmicos indígenas pelo Brasil, embora ele seja de extrema importância para avaliar as opções de pesquisa de cada um. Nesse sentido, apresentaremos alguns pontos do TCC do Guarani Marcos Moreira, ex-acadêmico do curso de 'Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica Guarani, Kaingang e Xokleng' oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina, em sua primeira edição em 2009.

Com o tema “Visão Guarani sobre o Tekoa”, Moreira discute em seu trabalho sobre uma das principais demandas do universo Guarani: o seu território tradicional. Como fonte de pesquisa Moreira dialoga com os líderes espirituais e os anciões da sua comunidade, personagens importantes que desempenham a função de “guardiões” do conhecimento e do modo de vida do seu povo, indivíduos essenciais e responsáveis pela transmissão dos seus conhecimentos mediados pela tradição oral.

Ao tratar de questões como tradição oral estamos fazendo referência a uma das dimensões da pesquisa histórica, o uso teórico-metodológico da história oral. Introduzida na década de 70 no Brasil foi somente nos anos 90 que a história oral ampliou seu espaço entre os pesquisadores brasileiros percorrendo vários caminhos, desde a organização de seminários com a participação de pesquisadores de outros países, publicação de pesquisas com as orientações da história oral e, consequentemente, a incorporação dessa metodologia e suas reflexões teóricas nos programas de pós-graduação.(Amado; Ferreira, 2006, p.9)

Mas não foi somente aqui no Brasil que houve pouca receptividade da história oral conforme apontou Alessandro Portelli. Em um dos seus textos fundadores resultado de uma conferência realizada em terras brasileiras, Portelli manifestou o pouco interesse dos historiadores italianos em relação a metodologia da história oral. Esse desinteresse se baseava numa certa confusão conceitual sobre o que é documento histórico, como se o documento escrito caísse em desuso e fosse substituída apenas pelo relato oral.(Portelli, 1997)

A história oral não tem essa pretensão de sombrear outras fontes de pesquisa. Sua proposta permite ao pesquisador ampliar seu escopo documental. Ou seja, a pesquisa histórica amplia seu horizonte analítico sobre determinado contexto se ela puder incorporar o relato oral, a memória dos sujeitos envolvidos naqueles processos históricos permitindo em muitos casos dar visibilidade para grupos sociais diversos. Se aprofundarmos o debate sobre as origens das fontes históricas, dos lugares e das instituições em que elas são produzidas seríamos facilmente convencidos de que alguns documentos escritos são na verdade a materialização de um relato oral produzido de outra forma que não o uso de áudio e vídeo, ferramentas essenciais na prática cotidiana do pesquisador que usa essa metodologia.

Dito isso, vale a pena acrescentar que a prática da história oral tem uma predisposição para relato de sujeitos marginalizados, silenciados ou daqueles grupos sociais onde existem a ausência total da escrita e seus conhecimentos são repassados de geração para geração via tradição oral. Essa é uma questão importante que devemos levar em consideração para os povos indígenas do Brasil. Retomando algumas questões do início do texto e sobre o “novo” protagonismo indígena é fácil perceber o quanto o trabalho com a memória desses povos, dos xamãs, líderes e anciões são importantes nas lutas políticas na atualidade quando os conhecimentos próprios desses sujeitos são materializados e socializados para um número maior de pessoas. Sobre esse aspecto é importante retomar as palavras de Davi Kopenawa, onde ele reafirma a necessidade de que suas palavras são de “Omama” (criador do homem) e dos “xapiri”(espíritos da floresta) sejam divulgadas para os brancos:

“Se quiser pegar as minhas palavras, não as destrua. São as palavras de Omama e dos Xapiri. Desenhe-as primeiro em peles de imagens, depois olhe sempre para elas. Você vai pensar: “Haixopë! É essa mesma a história dos espíritos! ”. E, mais tarde dirá aos seus filhos: “Estas palavras escritas são as de um yanomami, que há muito tempo me contou como ele virou espírito e de que modo aprendeu a falar para defender a sua floresta”. Depois, quando essas fitas em que a sombra das minhas palavras está presa ficarem imprestáveis, não jogue fora. Você só vai poder queimá-las quando forem muito velhas e minhas falas tiverem já há muito tempo sido tornadas desenhos que os brancos podem olhar”.(Kopenawa; Albert, 2015, p. 64)

O que antes era conhecimento restrito ao grupo indígena passa a ser socializado para a sociedade não indígena com o propósito de estabelecer um diálogo mais sério e comprometido com o futuro da humanidade. Até recentemente, as demandas dos povos indígenas eram direcionadas para a sociedade de maneira geral mediados pela figura política do cacique e os conhecimentos tradicionais eram questões próprias de cada grupo indígena e estavam sob a guarda da figura religiosa e dos anciões. O texto de Kopenawa parece inaugurar uma nova fase das demandas dos povos indígenas, especialmente quando se trata da demarcação de territórios para sua sobrevivência física e cultural.

Muitos povos grupos indígenas do Brasil ainda lutam pela demarcação de seus territórios em pleno século XXI, quase 30 anos após Constituição brasileira reconhecer o direito originário sobre as terras que ocupam. Isso significa que o direito dos índios sobre seu território antecede até mesmo a lei. De todo modo quando os povos indígenas não adquirem esse direito ficavam extremamente vulneráveis pois, “destituir um povo de seu território equivale a condená-lo a morrer, ainda que fiquem mantidos alguns indivíduos”, conclui Carlos Frederico Marés. (Marés, 1999, p. 60)

É nessa perspectiva que o Guarani Marcos Moreira define seu objeto de pesquisa como trabalho de conclusão de curso ao explicitar a visão Guarani sobre o seu território (Tekoa), por meio da oralidade dos anciões (Moreira, 2015). Na sua narrativa encontramos à principal justificativa do seu desejo em escrever sobre o significado do território para os índios Guarani, a luta pela demarcação da Terra Indígena(TI) de Itaty ou Morro dos Cavalos, localizada no litoral de Santa Catarina. Tudo indica que vivenciamos um momento de reelaboração das estratégias indígenas sendo protagonistas de sua história com sua presença cada vez maior nas universidades construindo a seu modo a “história dos seus antepassados”, pois bem sabemos que o “[...] índio não fala na história (nos textos que são tomados como documentos) do Brasil. Ele não fala mais é falado pelos missionários, pelos cientistas, pelos políticos. (Orlandi, 2007, p. 57)

Marcos Moreira faz um breve histórico do processo de demarcação dessa TI Itaty e segundo suas conclusões a mesma ainda não foi homologada pela ausência total de vontade política dos governantes, pois todas as etapas para sua regularização foram cumpridas rigorosamente conforme às exigências do Ministério da Justiça. O primeiro laudo antropológico realizado foi feito em 1993 e por mudanças nas regras de demarcação esse processo teve que se adaptar às novas exigências. Entretanto, quando o mesmo laudo foi apresentado para a comunidade indígena Guarani, ele foi recusado por não contemplar em seus limites às terras tradicionais. Como não houve acordo entre a Funai e os líderes indígenas outra portaria foi publicada, criando uma nova comissão para refazer o processo de demarcação da TI Itaty de maneira que contemplasse o território de origem. Finalizado essa etapa e concluído no ano de 2002, o resultado desse levantamento histórico-antropológico atestando o domínio Guarani sobre esse espaço só foi efetivamente publicado no diário oficial da união em 2003.(Moreira, 2015) Desde então, a comunidade aguarda a homologação pelo Ministério da Justiça para que a mesma seja efetivamente terra indígena dos Guarani conforme os dispositivos legais do governo brasileiro.

Diante dessa morosidade institucional e como membro da comunidade indígena exercendo a função de professor da escola indígena Whera Tupã- Poty Djá, Marcos Moreira optou por fazer sua pesquisa de trabalho de conclusão de curso sobre o significado da terra para os Guarani. Essa decisão foi tomada após longas conversas com os líderes da comunidade e com seus anciões na casa de reza. Neste ponto, temos uma aproximação da fala do Marcos Moreira com Davi Kopenawa ao trazer para o público não indígena o recado dos anciões sobre o entendimento do seu território(Tekoa). Para ele é fundamental o registro e a escrita da história do seu povo transmitida oralmente de geração em geração. Os líderes espirituais e os anciões precisam verbalizar/expor a visão guarani sobre o Nhandereko(Nosso sistema).( Moreira, 2015)

Para Marcos Moreira, o território Guarani significa um “espaço, tempo, experiência, terra, animais, plantas medicinais, deuses e da crença, ou melhor o nosso yvy rupa (território ou berço da terra. Tudo junto.)”(Moreira, 2015) Quando o autor traduz esse universo indígena do povo Guarani ele está resumindo uma visão de mundo muito mais complexa do que se imagina. Outro ponto do qual é extremamente importante em trabalhos como este em que se expõe um universo restrito ao grupo do qual se faz parte é o cuidado que devemos ter em interpretar as informações verbalizadas pelo informante, nesse caso específico, os anciões. Há um processo de tradução exercido pela pessoa de Marcos Moreira contido na sua escrita da qual ele é apenas o portador, pois de acordo com Michel Pollak “A memória em parte é herdade, não se refere apenas à vida física da pessoa”.(Pollak, 1992, p. 204) De certa forma, é bem isso que ocorre com as populações indígenas dentro de sua organização sócio cosmológica da qual o indivíduo recebe os ensinamentos e o conhecimento do seu grupo durante toda sua vida dando-lhes uma coesão social não apenas para o convívio com os outros membros mas com o meio ambiente e todos os recursos naturais que ela lhes proporciona.

Nesse sentido é compreensível que os povos indígenas lutem insistentemente para que determinado território seja de sua posse permanente, pois de acordo com Marcos Moreira esse território é o lugar escolhido pela divindade Guarani, onde nascem plantas sagradas que formam o Tekoa e onde acende-se o fogo sagrado. Esse é o espaço de vida do povo Guarani. O lugar onde atribuem como sendo a terra sem males(Yvydju, yvy Marae’y), onde todo Guarani deve estar para cultuar Nhamderu e Nhamdexy. É nesse lugar também onde Nhamderu os encaminham para o “lugar de onde vieram”.(Moreira, 2015) É nesse território que o ciclo de vida Guarani é vivenciado, um lugar sagrado onde natureza, humanidade se entrelaçam.

O ensino de história indígena
Bem sabemos das falhas e ausências da história dos povos indígenas nos livros didáticos utilizados nas instituições escolares sejam elas públicas ou privadas. Mais grave ainda é quando os professores se sentem incapacitados para desenvolverem a temática indígena com os seus alunos. Em parte, essa “ausência formativa” na educação básica é originária da sua má formação acadêmica sobre o tema, afetando com muito prejuízo o aprendizado dos estudantes. De modo, que em alguns casos acabam reproduzindo aspectos discriminatórios e preconceituoso em relação aos povos indígenas do Brasil. Na maioria das vezes prevalece o estereótipo do índio seminu, vestido com adornos e habitantes da floresta, num passado longínquo. Essa imagem descontextualizada não deve ser extensiva e generalizada a todos os povos indígenas do Brasil. O modo de vida desses grupos é bastante dinâmico e ao mesmo tempo em que sofre interferências do mundo dos não indígenas também influencia na vida destes, embora grande parte da população não reconheça que reproduz em seu dia a dia aspectos característicos da cultura indígena.

Nas últimas décadas o estudo sobre os povos indígenas no Brasil tem avançado consideravelmente, mas, ainda precisamos derrubar algumas barreiras no ensino superior. Parte das instituições de ensino superior ainda não efetivaram na grade curricular dos cursos de licenciatura à disciplina de História Indígena. De acordo com levantamento realizado em 2012, a pedido do Ministério da Educação, pela consultora Beatriz Carretta Corrêa da Silva:

“Algumas instituições alegam falta de clareza do texto da lei, que não especifica a obrigatoriedade do ensino de tais conteúdos nos cursos de Graduação, atendo-se apenas à educação básica. Outras questionam a falta de comunicação com o movimento indígena ou de discussão com as comunidades indígenas previamente à promulgação da lei, o que seria uma espécie de pecado original do texto legal, que não cria, no que tange à temática indígena, respaldo das comunidades. ” (Silva, 2012)

O relatório apresenta outras tantas questões sobre a aplicabilidade da lei 11645/2008. No entanto, sobre o aspecto apresentado acima temos a dizer que as instituições de ensino superior têm a responsabilidade primordial de que a lei seja cumprida, pois se os alunos da educação básica precisam conhecer a história dos povos indígenas é óbvio que as universidades deverão incluir nos cursos de licenciatura disciplinas que atendam essa demanda colocada pela lei. Ou seja, deverão preparar seus futuros professores para que estes tenham condições de desenvolver tal conteúdo com seus alunos. Outra justificativa frágil do relatório afirma que os diversos grupos indígenas do Brasil não participaram da elaboração do texto da lei. Ora, não é de hoje que o movimento indígena luta para garantirem seus direitos, para que a sociedade os reconheça com sua especificidade, com suas práticas culturais diferenciadas. A Lei 11645/2008 é mais uma conquista das lutas políticas desses povos e afirmar que não houve participação indígena é um erro grotesco. Um importante texto que faz uma discussão sobre esse aspecto é o artigo de Clovis Antonio Brighenti sobre “Movimento indígena no Brasil”. (Brighenti, 2015)

Se em 2012, o relatório já apontava o pouco avanço do debate sobre a temática indígena, temos a dizer que o cenário não se alterou muito. Em parte, porque as instituições de ensino superior alegam não ter professores com formação para desenvolverem o tema entre seus acadêmicos e muito lentamente, os cursos de licenciatura estão reelaborando seus projetos políticos pedagógicos e incorporando a obrigatoriedade da disciplina de História Indígena, Etno-história e Etnologia. Entretanto, precisamos de estudos que nos apresentem dados atuais do cenário atual sobre a aplicabilidade da lei no ensino superior.

Acaso a formação acadêmica tenha deixado de lado esse debate outras estratégias podem contribuir para derrubar alguns estereótipos atribuídos aos indígenas, como se aproximar das comunidades indígenas e criar um canal de diálogo entre as instituições escolares com encontros educativos e trocas de experiências. Entretanto é preciso um esforço dobrado para que esse diálogo aconteça, é preciso encarar e afastar o “medo do diferente”. Eis um ponto fundamental da prática docente do professor de história, que dada as condições de sua formação tem minimamente um debate mais apurado sobre a cultura, identidade, alteridade e diversidade cultural. Temas que contribuem muito para estabelecer um novo debate sobre a história desses povos.

Retomando alguns pontos desse texto, temos a convicção que às comunidades indígenas estão abertas para um diálogo sério e comprometido com os vários setores da sociedade brasileira. É preciso avançar, derrubar barreiras e entender que esses povos não estão distantes das nossas necessidades materiais e desejos humanos. Eles não estão no passado e a cada dia estão mais presentes reivindicando e lutando por seus direitos garantidos na Constituição de 1988. Mas, se ainda, não temos condições de sentar frente a frente e dialogar com esses povos, os professores da educação básica, especialmente os licenciados em história poderão/deverão buscar algumas saídas para problematizar o ensino da história indígena com qualidade incorporando à sua prática docente materiais publicados pelos indígenas conforme apontamos no texto. A cada ano novas vagas no ensino superior e em programas de pós-graduação estão sendo ocupadas por eles, cujos objetos de pesquisa dizem respeito ao seu modo de vida, sua organização social, sua economia, sua cultura, autoridade política e religiosa, questões de gênero, entre outros temas são problematizados sob olhar de seus protagonistas.

Esperamos que essa breve reflexão possa despertar nos professores responsáveis pelo ensino de história o desejo de conhecer mais sobre a história dos povos indígenas a partir de seus próprios entendimentos dos processos sociais que foram submetidos ao longo dos anos. Não temos respostas para tudo e nossa intenção segue as palavras de Milton Santos:

“O que trago aqui é um ensaio. É muito mais um ensaio de método que algo terminado. Aliás, para que um professor dirigir-se a quem quer que seja com coisas já prontas? Uma aula é sempre um conjunto de questões, e não propriamente de respostas. A aula que quer ser uma resposta é algo quase desnecessário. A aula tem que ser um conjunto de perguntas as quais incompletamente o professor formula, e as quais os ouvintes tomam como um guia tanto para aceitar, como para, depois de aceitar, discutir e, mesmo recusar.” (Santos, 2007)

Referências
Cristiano Augusto Durat é docente da Universidade Federal da Fronteira Sul(UFFS), Membro do Laboratório de História Indígena – Labhin/UFSC e do  Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História LAEE/UEM.

ALBERT, Bruce. O ouro canibal e a queda do céu. Uma crítica xamânica da economia política da natureza. Brasília: 1995, p. 1-33, (Série Antropologia).  Disponível em: http://sis.funasa.gov.br/portal/publicacoes/pub405.pdf.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.

AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

BRIGHENTI, Clovis Antonio. Movimento indígena no Brasil. IN: Wittmann, Luiza Tombini(org). Ensino (d)e História Indígena. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015, (Coleção Práticas Docentes), p. 143-175.

KELLY, José Antonio. Resenha La chute du ciel: paroles d’hun chaman yanomami. KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. Paris: Terre Humain, Plon. 2010. 819 pp. Revista de Antropologia da UFScar, v.5, n. 1, jan-jun., p 172-187, 2013.

KOPENAWA, Davi;  ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Trad. Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

MARÉS, Carlos Frederico. Da tirania à tolerância: O direito e os índios. IN: NOVAES, Adauto (org). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

MONTEIRO, John Manuel. Armas e armadilhas. In: NOVAES, Adauto (org). A outra margem do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

MOREIRA, Marcos. Visão Guarani sobre o Tekoa: Relato do pensamento dos anciões e líderes espirituais sobre o território. 2015. 22 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica Guarani, Kaingang e Xokleng). Departamento de História. UFSC, Florianópolis

NOVAES, Adauto (org). A outra margem do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas,SP: Editora da Unicamp, 2007.

POLLAK, Michel. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Edições Vértice, vol. 5, n.10, 1992.

PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. In: Proj. História. São Paulo (14), fev. 1997.

SANTOS, Milton. O dinheiro e o território.IN: Santos, Milton(et al). Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007, p. 13-21.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Prefácio IN: KOPENAWA, Davi;  ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Trad. Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

18 comentários:

  1. Boa noite professor Cristiano, me chamo Renata Carvalho e atualmente curso mestrado em História Ensino e Narrativas pela Universidade Estadual do Maranhão onde desenvolvo pesquisa acerca do uso do cinema como meio de trabalhar História e Cultura Indígena em sala de aula. Dito isto, gostaria de lhe perguntar qual sua opinião acerca do uso de filmes para o trabalho com o ensino da história indígena em sala e quais os problemas e limitações você apontaria acerca do mesmo?
    Renata Carvalho Silva

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    1. Olá Renata, obrigado pela sua pergunta! Acredito que sua realidade não é muito diferente da minha região em que nossos professores de história se utilizam muito pouco deste recurso didático em suas aulas. Em alguns casos por conta do excesso de aulas imposto pelo estado aos professores da educação básica, não deixando espaço em suas atividades para discutir com qualidade o tema entre seus alunos. O desconhecimento por parte dos professores da temática indígena também contribui para essa marginalização do conteúdo. Entretanto, para aqueles que se colocam abertos para utilizar esse recurso é fundamental que o professor estude sobre o grupo étnico para que dessa forma tenha condições de explicar para seus alunos os “sentidos” que estão embricados nos rituais ou nas atividades indígenas que está sendo projetado. Obviamente, que vários trabalhos áudio-visuais atualmente trazem uma qualidade extraordinária de elementos que ajudam na compreensão da dinâmica social desses povos, inclusive com a participação deles na sua realização. A grande questão é em relação aos documentários realizados no passado onde se obtinha imagens fragmentadas e algumas descontextualizadas dificultando sua projeção para um público não simpatizante da temática indígena. Acredito que um modo de resolver essa questão é produzir trabalhos dialogando diretamente com as comunidades indígenas, não deixando margens para interpretações equivocadas acerca de seu modo de vida e interpretação de mundo. Afinal são eles que dominam inúmeros saberes dos quais ainda não temos ideia de seu alcance.

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  2. Muito pertinente o texto, com reflexões necessárias e instigantes. A novo história indígena é um tema desafiador, que requer olhares apurados e pessoas com comprometimento na causa. Dito isto prof. Cristiano, pegunto-lhe como articular o tema nova história indígena sobre o prisma do cenário político atual, onde mesmo com o advento da CF/88 ainda presenciamos tantos descasos junto aos povos tradicionais?

    Eduardo Gomes da Silva Filho / Docente/UFRR

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    1. Olá profº. Eduardo, obrigado pela sua participação! Fico muito feliz em saber que outros docentes das mais variadas instituições de ensino superior se debruçam sobre a “nova história indígena”. Sabemos o quanto é difícil fazer esse debate no meio acadêmico. Infelizmente, a grande barreira para que os saberes indígenas sejam respeitados, ouvidso e apreendidos esteja nas universidades. O conhecimento adquirido por esses povos ao longo de milhares de anos é anulado para dar espaço aos conhecimentos científicos. Não se respeita e se quer, para algumas regiões, a universidade abre suas portas para dialogar com esses sujeitos. O livro de Kopenawa é um belo exemplo do alcance desses conhecimentos pelo tempo, com sua dinâmica própria e entendimentos que muitas vezes fogem da nossa compreensão exatamente porque não permitimos avançar sobre esses temas. Infelizmente, por conta de políticas indigenistas nefastas esses povos demoraram muito para ter uma educação pública de qualidade, tanto na educação básica como no ensino superior. Graças a um crescente aumento de indígenas na universidade podemos vislumbrar um futuro promissor para esses povos no que tange ao reconhecimento desses saberes pela acadêmia. Fazendo um rápido levantamento dos trabalhos de conclusão de curso de algumas universidades federais identificamos que todos os temas dizem respeito ao seu respectivo grupo étnico. Os temas envolvem educação escolar indígena, direitos, constituição, estatuto, organização social, cultura, danças, rituais, uso e domínio de plantas medicinais, enfim....os temas não se esgotam. Acredito, que além dar espaço para esses sujeitos, precisamos sempre que possível em nossa prática pedagógica debater com nossos acadêmicos textos, artigos e livros cujo autores devem ser indígenas e, de algum modo, articular essas questões com os problemas do mundo não indígena. A história desses povos tem nos mostrado que nunca foi fácil sobreviver ao longo desses anos todos, mas sempre encontraram estratégias de sobrevivência de lutas políticas, o que nos permitiu chegarmos juntos ao século XXI. Os movimentos indígenas precisam se unir, fortalecer seus projetos e colocar em funcionamento a Constituição Federal de 1988. A frase “ quem é visto é lembrado” precisa ganhar sentido para esses povos, afinal o contexto político atual não faz questão nenhuma de lembrá-los ou muito menos fazer valer seus direitos. É projetando suas demandas, propostas, ideias e soluções é que os indígenas, articulados cada vez mais ao meio acadêmico, poderão garantir seus direitos sempre com muita luta. Afinal, lutar é a palavra de primeira ordem para eles há centenas de anos. Com um abraço, Cristiano.

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    2. Olá Cristiano, boa tarde! Isso mesmo, luta é sinônimo de resistência e autodeterminação dos povos tradicionais. Acredito que o livro que você se refere do Davi Kopenawa é "A queda do céu", onde ele faz uma narrativa e análise do povo Yanomami. Aqui na UFRR temos um Núcleo de Ensino Superior Indígena chamado INSIKIRAN, que se debruça sobre estas questões (Ensino, Pesquisa e Extensão). Já no tocante a um importante assunto que você abordou, no caso em questão o ensino indígena nas universidades, em um dos simpósios do evento, eu discuto um texto justamente sobre isso denominado: O Ensino da História Indígena nas Universidades brasileiras: Lei, Tabu e Autodeterminação". É importante fortalecermos os debates em torno desta temática, abraços!

      Eduardo Gomes da Silva Filho

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  3. Boa noite professor Cristiano de que fora podemos refletir sobre o estatuto Indígena e sua relação co a Constituição de 1988 dentro do contexto do ensino de Historia ?

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  4. Olá Ana Paula, obrigado pela sua participação!
    Acredito que uma chave de entedimento dessas duas questões esteja relacionado ao movimento indígena que antecede o advento do Estatuto e o fortalecimento das alianças desses povos objetivando garantir direitos na Constituição de 1988. É de extrema importância discutir algumas organizações e instituições que respaldaram a luta indígena tanto aqui no Brasil como fora do país. O ensino de história deve perpassar todo esse debate para que os alunos tenham condições de compreender em que contextos e quais lutas os povos indígenas travaram para se chegar aos artigos constitucionais relacionado as questões indígenas. Para contribuir sobre esse tema indico esses dois livros do Silvio Coelho.
    SANTOS, Silvio Coelho dos (Org). Apresentação. Sociedades indígenas e o direito: uma questão de direitos humanos. Florianópolis: UFSC, 1985.
    SANTOS, Silvio Coelho dos (Org.) O Índio Perante o Direito. Ensaios. Florianópolis, Editora da UFSC, 1983.

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  5. Boa tarde!Boa tarde!
    Infelizmente, os índios ainda tem sua história negligenciada em todo o sistema escolar brasileiro (básico e superior). No sistema básico, ao qual me debrucei sobre uma pesquisa nos livros didáticos, é perceptível que mesmo após a advento da Lei 11.645/2008 o índio é invisibilizado nessa ferramenta, pois esses povos, quando citados, são “classificados” de maneira genérica sem identificação étnica, sem suas línguas, sem seus diferentes espaços, sem suas formas sociais de organização e cultura. Já na academia, a realidade é quase a mesma, tendo em vista que a maior parte das instituições de ensino superior não têm em sua grade um espaço destinado à História Indígena, como você bem afirma nesse seu trabalho, prejudicando de maneira significativa a possibilidade de se conhecer a real história desse povo.
    Diante disso, e das grandes questões escolares que enfrentamos atualmente, como a mudança nas bases curriculares, deveríamos nos preocuparmos com a possível supressão das histórias das minorias, como é o caso dos indígenas, em contramão ao avanço que a produção historiográfica sobre esse tema vem tendo?

    Clebert dos Santos Moura

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    1. Olá Clebert, obrigado pela participação!
      Suas questões são bastante pertinenetes e demandam uma ações concretas para não apenas manter o debate da temática indígena mas ampliá-la, incorporando elementos dos quais você mencionou, língua, rituais de passagem, canto, dança, entre outros temas. O aumento de publicações com esse viés de “alerta” colocado pelos povos indígenas é uma demonstração concreta entre tantas estratégias encabeçadas por eles. Devemos, como docentes tanto da educação básica e do ensino superior incluir em nossos programas de aula esses livros, ampliando o número de pessoas envolvidas nesse processo. Os tempos atuais são obscuros e incertos quanto ao futuro da educação e da permanência ou exclusão de disciplinas na rede de ensino. Ao invés de lutarmos para ampliar direitos e aplicar as leis que já existem, como a Lei 11.645/2008, vivemos um momento de luta pelo que já foi conquistado. Nesse sentido, penso que o debate sobre a temática indígena deverá, de algum modo estar presente na prática docente, independente de sua supressão ou não. Isso deverás é uma demonstração de luta e resistência tanto nossa quanto dos povos indígenas.
      Abraço,
      Cristiano

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  6. Segundo Davi Kopenawa, retrata a importância das estratégias do movimento indígena para a historiografia brasileira.

    Como se deu essas estratégias de revisionismo na historiografia brasileira segundo Davi Kopenawa?

    JAQUELINE CARDOSO PAIVA

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  7. Olá professor! Que texto maravilhoso!! Só quem já teve a oportunidade de ler/ouvir o texto do Davi Kopenawa sabe como ele é emblemático! Ouvi através da leitura da minha professora em sala de aula na disciplina de Fundamentos e Questões em Educação, onde foi feito um esforço para se incluir temáticas voltadas aos povos indígenas, africanos e de gênero. Agora que darei aula em cursinho pré-vestibular me vejo no lugar de discutir tais temáticas. Antes, porém, gostaria de falar sobre o método da História Oral. Discordo, em partes, de que este metodologia de pesquisa não limite outras formas de conhecer o sujeito, ou o ator social. Penso que na verdade ela limita a um aspecto determinado da vida "a fala". É importante também quando o senhor afirma em seguida que ela é "predisposta" a ser dirigida a atores sociais mais de "esquerda", ou seja, excluidos da sociedade. Dito isto, gostaria justamente de dialogar sobre estes aspectos, uma vez que aqui se fala em Antropologia e Arqueologia. Minha pergunta é: em que pontos a História Oral beneficia ou não no conhecimento de tais povos? Indico também a leitura de Bruno Latour, quando este discorre sobre a simetria.

    Rafael Dalyson dos Santos Souza

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    1. Olá Rafael, obrigado por suas considerações, afinal, como mencionei no texto ele pretende ser um espaço de debate e, pelo que percebo, cumpre esse papel. De fato, há limites na história oral, especialmente, quando temos a ausência da fala. Mas o documento escrito pode e deve contribuir quando a metodologia da história oral e colocada em prática. É preciso estudar caso a caso. Em relação ao uso dessa metodologia com os povos indígenas é indispensável que os pesquisadores tenham o máximo de conhecimento sobre o que se pretende pesquisar, especialmente, quando o asunto toca em assuntos delicados e caros para os povos indígenas como a demarcação de territórios, violência, gênero, enfim. Tenho um diálogo muito forte com os Kaingang aqui do Paraná, especialmente da Terra Indígena Rio das Cobras. Há uns quatro anos aprovamos nossa política de acesso e permanência dos povos indígenas em minha universidade(UFFS), oferecemos mais de 80 vagas suplementares para quase todos os cursos, com exceção de medicina do qual não temos autonomia para aumetar ou diminuir vagas. Quando iniciamos nossas viagens pelas comunidades indígenas, conversamos e explicamos inúmeras vezes o que é a universidade e a importância de que os indígenas participassem do processo seletivo e fizessem algum curso de graduação. Bem, fui surpreendido por falas bastantes negativa, especialmente dos “velhos” sobre a “saída” desses jovens da comunidade, em um espaço “diferente” e que seriam mortos pelos “Brancos”. Observe o trauma que esses indígenas têm sobre o contato, a presença do branco em suas terras, as transformações que tiveram que passar para sobreviver, como não falar mais a língua indígena, assumir hábitos, impor sanções, explorar suas reservas naturais. Tudo isso, em parte com o aval das instituições públicas que deviam zelar pelo patrimônio, cultural e humano. No Laboratório de História Indígena (LABHIN-UFSC), em que participo como pesquisador, há um trabalho muito bom com essa metodologia na Terra Indígena de Xapecó/SC. Por meio desse trabalho se produz materiais didáticos que são utilizados nas escolas dentro da comunidade indígena. Veja o quanto essa metodologia é importante para esses sujeitos pois além de contribuir para sua própria história permite um revisionismo da história do Brasil. Obrigado pela indicação e vamos dialogando sempre!
      Abraço,
      Cristiano

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    2. Cristiano, a partir da sua fala lembrei muito da tese de Gersem, não li toda, mas é maravilhoso o trabalho dele. Ele veio aqui na UFCG/CFP (CZ) para uma conferência no evento daqui. Tenho certeza que você já conhece o trabalho dele e deve saber da luta dele justamente neste sentido, enxergando a Universidade como um espaço necessário mas sem perder suas raízes. É um debate intenso realmente... Agradeço demais a oportunidade de dialogar com vc. Abraços e luta sempre!

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  8. Bom dia,o texto nos traz uma perspectiva interessante sobre os povos indígenas, gostaria de saber se durante a pesquisa foi identificado como está o processo de identidade indígena na contemporaneidade? Com base na história oral.

    Paulo de Mendonça Mafra

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  9. Boa noite pro. Cristiano! Parabenizo pela riqueza de relatos e visão desse protagonismo dos povos indígenas. Trabalho na rede particular na cidade de Santarém-PA e estamos trabalhando os povos tradicionais da Amazônia, o que se encaixa perfeitamente o seu relato de estudo. Estamos enfrentando resistência de certos grupos por causa principalmente da visão estereotipada que se tem do indígena e o qual estamos combatendo. De que forma o senhor nos sugere o encaminhamento de debate com a comunidade, de forma que se combata os preconceitos com relação aos povos indígenas? Lidia Cristiany Alves Assunção

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  10. Pertinente seu texto professor, parabéns! Mas como professores da educação básica podem levar ao conhecimento e ao debate as ações da historiografia indígena, sendo que pode haver conflitos com os grupos de "elites" existentes, principalmente, na rede particular de ensino? Lidia Cristiany Alves Assunção

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  11. Boa noite professor, adorei o seu texto. Tenho realizado pesquisas sobre a história indígena e do indigenismo, por isso, tenho acompanhado alguns trabalhos seus, os quais me auxiliam enquanto referência teórica para alguns pontos. Deste modo, fico feliz pela sua participação neste evento. Partindo da leitura do seu texto, minha dúvida se dá de forma mais conceitual e se relacionando as pequisas acadêmicas, nesta acepção, tenho observado que esse protagonismo indígena, em alguns trabalhos, tem dialogado com os princípios da mestiçagem e trânsito de culturas, fazendo uso de conceitos como mediação e mediadores culturais, os quais, são questionados por outros pesquisadores/as que dizem que tais perspectivas romantizam os processos históricos que, por sua vez, estão permeados de tensões e conflitos interétnicos. Logo, gostaria de saber como o professor avalia e tem acompanhado estes debates dentro dos liames da História Indígena?
    Att.
    Jessica Caroline de Oliveira

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