METODOLOGIAS ATIVAS NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE
HISTÓRIA
O mundo contemporâneo tem desafiado as
universidades com demandas de diferentes ordens, colocando em xeque a formação
nos moldes tradicionais. Entre tais desafios destaca-se o papel de
instrumentalizar os alunos para um processo de educação continuada e reorientar
o foco do ensinar para o aprender. Do mesmo modo, tal contexto de
mudanças demanda que os professores assumam o papel de facilitadores ou
mediadores do processo de aprendizagem e que o aluno se afaste do papel passivo
para tornar-se ativo na construção do conhecimento e protagonista de sua
própria formação (Behrens,
2013:76-77).
Esse cenário se faz sentir nas diversas
áreas do saber e, em especial, na Educação. No caso da História, o período que
compreende a dissolução da ditadura civil-militar no Brasil e o processo de
redemocratização conheceu a ampliação das discussões acerca do ensino de
história, envolvendo aspectos como a formação docente inicial e continuada, a
produção de materiais didáticos e paradidáticos, as metodologias de ensino,
etc. Não obstante, mesmo com as mudanças recentes na legislação, ainda se
enfrenta o desafio da inserção da reflexão didática nos componentes
curriculares das graduações em História, seja nas licenciaturas ou nos
bacharelados. Além disso, a definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
aprovada em dezembro de 2017, promete oferecer novas orientações para a
estruturação do ensino em seus diferentes níveis, resultando, por exemplo, em
mudanças na formação de professores no ensino superior, ao passo que a
aprovação da Reforma do Ensino Médio lança apreensões sobre suas consequências
na educação básica e sobre a possível redução das Ciências Humanas e,
especificamente, da História, no Ensino Médio.
Diante dos elementos expostos, a presente
reflexão concentra-se nos desafios colocados à formação inicial do professor em
História, discutindo para isso práticas de ensino e aprendizagem no ensino
superior com base nas metodologias ativas.
A formação inicial em História: algumas
considerações
A concepção geral sobre a didática da
história a situa como uma abordagem formalizada para ensinar história na
educação básica e uma disciplina que faz a mediação entre a história como
disciplina acadêmica e o aprendizado histórico e a educação escolar, não tendo
relações com o trabalho dos historiadores. Jörn Rüsen considera que foi durante
o século XIX que a didática da história deixou de ser o centro da reflexão dos
historiadores para ser substituída pela metodologia da pesquisa histórica
(2011, p.23-25). Entre as consequências dessa “cientifização” apontada pelo
autor estão a importância secundária dada ao ensino, entendido como reprodutor
do saber acadêmico; o distanciamento entre a formação de bacharéis e
licenciados; e a separação entre as disciplinas de conteúdo específico e as
disciplinas pedagógicas, compreendidas como instrumentais, para a formação do
professor.
Sem aprofundar tais questões, já exploradas
pela literatura especializada, convém destacar as implicações dos elementos
expostos para a formação docente, em especial, para a formação inicial nas
graduações em História, momento ímpar em que os saberes históricos e
pedagógicos são mobilizados, problematizados, sistematizados e incorporados à
experiência de construção do saber docente e momento de estruturação da
identidade pessoal e profissional do professor. A formação docente no país – o
que pode ser ampliado a mais áreas do que apenas a História – foi marcada pelo
modelo da racionalidade técnica e científica, modelo generalizado pela fórmula
“três + um”, que consiste em que durante três anos os alunos cursam disciplinas
obrigatórias da área de história e, em seguida, cursam disciplinas obrigatórias
da área de pedagogia e aplicam os conhecimentos na prática de ensino. Deste
modo, durante as últimas décadas do século XX, predominou o modelo de formação
que combinava licenciaturas curtas e plenas de um lado e bacharelados de outro,
estruturados com base na dicotomia conhecimentos específicos da
disciplina/conhecimentos pedagógicos, preparação para o ensino/preparação para
a pesquisa, conhecimentos teóricos/conhecimentos da prática (Fonseca, 2003,
p.60-62; Monteiro, 2013, p.26-28).
Como expressão desse cenário, as Diretrizes
Curriculares Nacionais dos Cursos Superiores de História foram elaboradas em
1998, a partir da Comissão de Especialistas de História nomeada pelo Ministério
da Educação (MEC) e de representantes da Associação Nacional de História
(Anpuh), sendo o documento aprovado e publicado em 2001 (Parecer CNE/CES
492/2001). O texto das Diretrizes pouco acrescenta sobre a formação do
professor, reduzindo as habilidades profissionais do perfil do egresso a uma
competência específica, o conhecimento da história fundamentado no exercício da
pesquisa. Esta premissa, ao ser atendida, é encarada como garantia da aptidão
do profissional para atuar em outros campos, dentre os quais o magistério. Além
disso, ao separar as competências e habilidades da licenciatura, o documento
contribui para reforçar a separação entre licenciaturas/bacharelados e ensino/pesquisa,
por mais que explicite que “as atividades de prática de ensino deverão ser
desenvolvidas no interior dos cursos de História, e sob sua responsabilidade,
tendo em vista a necessidade de associar prática pedagógica e conteúdo de forma
sistemática e permanente” (Cf.: Fonseca, 2003, p.65-67; Ricci, 2015,
p.118-119).
Os elementos que se apresentam nas
Diretrizes permitem retomar o difícil problema da formação de professores no
Brasil apontado anteriormente, manifesto, por exemplo, no impasse institucional
sobre a quem cabe formar professores. Tal problemática também tem estado em
voga nas discussões internacionais e desdobra-se em outras questões, orientando
investigações sobre a desarticulação entre as disciplinas pedagógicas e de
conteúdo específico; o predomínio do conteúdo factual em detrimento de saberes
curriculares e relativos às práticas pedagógicas; a resistência à discussão
sobre ensino de história nas universidades de maior prestígio; e a separação
entre a cultura histórica e a didática da história (Cf.: Oliveira &
Freitas, 2013)
Nesse quadro, Ana Maria Monteiro lembra que
é comum encontrar críticas à formação recebida por parte dos professores de
história, principalmente os recém-formados, os quais denunciam que a formação
não os preparou para os desafios do cotidiano escolar. Paralelamente, a autora
argumenta que nas últimas décadas as pesquisas do campo da Educação têm
demonstrado que as escolas exigem o domínio de saberes outros que não apenas
aqueles referentes às disciplinas que os professores vão ensinar. Monteiro
conclui que o modelo de formação ainda vigente, “mais do que formar o
profissional professor, tem fortalecido, nos estudantes, o desejo de ser
bacharel e pesquisador, e deslegitimado o interesse em ser professor”, porém, ainda
é comum encontrar posicionamentos que defendem o domínio teórico dos
conhecimentos específicos e
“...que as técnicas e metodologias devem ser ensinadas simultaneamente e nos próprios institutos. Mas, geralmente, com honrosas exceções, encontramos, nessas instituições, poucos profissionais com experiência e interesse pela docência na educação básica, situação decorrente da forma como os processos de seleção de docentes tem sido realizada, com base na perspectiva de fomentar o desenvolvimento da pesquisa científica na área específica. É nas faculdades e departamentos de educação que têm sido contratados docentes com experiência em ensino e pesquisa em questões educacionais”. (Monteiro, 2013, p.29)
O trecho de Monteiro insere outra variante
no problema da formação de professores e, precisamente, da formação docente em
História. Em termos gerais, na maioria das instituições de ensino superior,
“predomina o despreparo e até um desconhecimento científico do que seja o
processo de ensino e aprendizagem” por parte dos professores (Pimenta &
Anastasiou, 2014, p.37). Especificamente nos casos das licenciaturas de
História, os currículos mantêm a ênfase na formação em pesquisa centrada em
temas da historiografia, tal como nos cursos de bacharelado, sendo o “saber da
experiência” abordado nas disciplinas de Didática, Prática de Ensino e Estágio
Supervisionado. Nesse sentido, qual o perfil do professor universitário das
licenciaturas em História que é responsável por formar professores da educação
básica? A resposta a essa questão demandaria uma discussão e uma investigação
que ultrapassa os limites e interesses do presente estudo. Contudo, os
resultados da pesquisa de Raquel Venera (2016) sobre os concursos docentes na
área de ensino de história oferecem apontamentos para essa problemática.
A autora investigou onze (11) concursos
docentes entre 2008 e 2010, identificando que apenas quatro privilegiaram a
formação em Educação, isto é, com exigência de formação em licenciatura em
História e possibilidade de Doutorado em Educação. Ainda em relação a esses
dados, Venera ressalta o descompasso entre o campo da pesquisa em ensino de
história, mormente desenvolvido na área da Educação, e os concursos analisados,
pois mesmo as vagas para o magistério na área de ensino de história têm o
perfil deveras distanciado do campo da Educação, o que amplia as dificuldades a
serem superadas. Ao comparar as discussões do estudo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais dos Cursos Superiores de História, Venera conclui que
ambos são expressão de práticas discursivas cristalizadas na ideia de que os
saberes de conteúdo de História resultam em saberes do ensino de História
(Venera, 2016), o que reafirma a noção de que a docência no ensino superior não
requer formação no campo do ensinar (Pimenta & Anastasiou, 2014, p.36).
Em síntese, os estudos do campo do ensino
de história defendem que a formação inicial do historiador deve possibilitar
conhecimentos atualizados do campo da historiografia e do campo dos conteúdos
“factuais”, assim como deve possibilitar a compreensão dos modos de produção do
conhecimento histórico. Não obstante, tratando-se de uma formação docente,
também é necessário que a formação inicial seja encarada como formação do
professor, permitindo o desenvolvimento da identidade profissional. Assim, o professor de história deve ser alguém que domine não
apenas os mecanismos de produção do conhecimento histórico, mas um conjunto de
saberes, competências e habilidades que possibilitam o exercício profissional
da docência.
Tendo essa proposição como o objetivo da formação
do professor de história, cabe avançar em considerações sobre as maneiras pelas quais essa finalidade pode ser alcançada.
Ensino e aprendizagem: algumas
considerações sobre o ensino superior
Tradicionalmente, a universidade afirmou-se
como instituição de pesquisa, de criação de tecnologias e de sistematização dos
conhecimentos, sendo uma das principais detentoras do saber necessário para a
formação de profissionais. Como outras características desse modelo tradicional
aparecem o afastamento das demandas sociais e regionais/locais, os currículos
seriados, a centralidade do professor, os métodos de ensino predominantemente
orais e expositivos, e avaliações voltadas aos conteúdos teóricos. Diante das
mudanças vivenciadas na sociedade nas últimas décadas, em especial em termos de
acesso à informação, esse modelo universitário tem se mostrado insuficiente e
inadequado para responder às demandas contemporâneas.
Atualmente, o conhecimento incorporou três
novas conotações: a maior abrangência dos estudos e pesquisas multi e
interdisciplinares; a provisoriedade das definições científicas, com a
proliferação contínua de descobertas científicas e tecnológicas; e a
acessibilidade ao conhecimento, influenciada diretamente pelo desenvolvimento
das tecnologias de informação e comunicação. Estas mudanças colocam em xeque a
relação institucional da universidade com o conhecimento, reconfiguram o papel
do aluno e do professor e estimulam a busca por uma ressignificação do processo
de aprendizagem (Cf.: Masetto, 2015 (b), p.13-16).
Em linhas gerais, Marcos Masetto considera
que a docência universitária colocou sua ênfase no processo de ensino, com uma metodologia centrada na transmissão ou
comunicação oral de temas e assuntos selecionados por parte do professor, ou
leitura de livros e artigos e sua repetição em sala. Não obstante, ao colocar a
ênfase no processo de aprendizagem as
consequências apresentam-se bem diferentes, implicando na mudança na
organização curricular, na contratação do corpo docente e na metodologia da
aula. Ao destacar a importância da aprendizagem, os processos de ensino e
aprendizagem são reestruturados tendo a aprendizagem dos alunos como finalidade
e ocupação básica da docência (Masetto, 2015 (a), p.44-51).
Nesse contexto, a aula tradicional,
expressão do modelo industrial de ensino, tem dado lugar a métodos de ensino
alternativos, com base na colaboração, na exploração, na investigação e no
fazer. Assim, chega-se a um novo papel do processo de ensino e aprendizagem,
pautado na perspectiva de que “além de reter informação, o aprendiz necessita
ter um papel ativo para significar e compreender essa informação segundo
conhecimentos prévios, construir novos conhecimentos e saber aplicá-los em
situações concretas” (Valente, 2014, p.81). Tais mudanças implicam ainda na
reconsideração do espaço da sala de aula, das práticas desenvolvidas e do
próprio público, que passa a ser reconhecido como um público que está na fase
adulta da vida com suas especificidades no processo de
ensino e aprendizagem.
Partindo destes
pressupostos, a utilização das metodologias ativas avança significativamente
nas ciências sociais aplicadas, nas ciências da saúde e nas ciências exatas
(Cf.: Berbel, 2011; Souza, Iglesias & Pazin-Filho, 2014; Valente, 2014), ao
passo que nas ciências humanas ainda apresenta uma inserção incipiente.
Tradicionalmente, as aulas das disciplinas das ciências humanas já usam o
expediente de recorrer à leitura e ao estudo de textos previamente para, em
sala, concentrar a atividade na discussão dos textos. Não obstante, as
propostas em questão concentram a atenção na orientação da leitura a partir,
por exemplo, de um estudo dirigido dos textos e na implementação do modelo de
Rotação Sala de Aula Invertida, no qual, geralmente, o professor seleciona e
disponibiliza vídeos e outros materiais on-line
que serão o suporte de conteúdo expositivo. Talvez seja a ausência desses
suportes um dos grandes limitadores para a implementação do modelo no caso
específico da História, no que pese a relevante contribuição dos cursos,
palestras, programas on-line e
animações disponibilizados, por exemplo, em canais nacionais como UNIVESP-TV e
CEAv UNICAMP, ou nos espanhóis HISTORIA A DEBATE, CANAL UNED e ACADEMIA PLAY.
Considerações finais
Buscou-se apresentar algumas discussões
relativas à formação inicial do professor de História e, num primeiro momento,
concentrou-se a atenção nos desdobramentos do processo de cientifização que
caracteriza o movimento de institucionalização e profissionalização da área, em
especial o distanciamento entre a formação de bacharéis e licenciados e a
separação entre as disciplinas de conteúdo específico e as disciplinas
pedagógicas. Tais desdobramentos se expressam nas Diretrizes Curriculares
(2001), que permanecem inseridas no impasse entre ensino e pesquisa ou entre
bacharelado e licenciatura, ainda que este distanciamento seja criticado pelo
campo da Educação e, especificamente, do ensino de História. Ao acompanhar as
discussões deste campo em particular, observa-se que uma série de problemáticas
estão relacionadas a esse quadro de tensão entre uma formação voltada ao
domínio teórico dos conhecimentos históricos e uma formação direcionada aos
saberes da experiência e das práticas pedagógicas. Entre estas problemáticas,
destacou-se ao longo do texto a questão dos componentes curriculares, que
mantêm a ênfase na formação teórica e em pesquisa e que concentra a formação
pedagógica em disciplinas específicas; e do próprio perfil do professor
universitário de História, que mesmo na área de ensino de história tende a ter
uma formação afastada do campo da Educação, visto que essa orientação, por
vezes, não é solicitada nos concursos docentes.
Não obstante, em linhas gerais, as
pesquisas enfatizam que o professor de história deve ser alguém que domine não
apenas os mecanismos de produção do conhecimento histórico, mas um conjunto de
saberes, competências e habilidades que possibilitam o exercício profissional
da docência. Considera-se que essa proposição serve de ponto de partida para
novas e necessárias reflexões, pois ao ter como horizonte uma formação que
também se estruture no exercício profissional da docência, os cursos de
licenciatura tendem a passar por uma reestruturação significativa, como as que
direcionam a Base Nacional Comum Curricular e a Resolução CNE nº2/2015. Essa
reestruturação não pode ser pensada apenas no campo da História, antes, passa
necessariamente pelas discussões do campo da Educação e envolve diretamente o
problema da aprendizagem e da docência universitária.
Nesse sentido, estruturou-se o segundo
tópico do texto em torno das mudanças vivenciadas pelo meio universitário nas
últimas décadas, em especial relacionadas às mutações impostas pela sociedade
do conhecimento. Procurou-se demonstrar que um dos caminhos para responder às
demandas contemporâneas foi a docência universitária reorientar a sua ênfase do
processo de ensino ao processo de aprendizagem, posicionamento que tem
resultado na substituição dos métodos tradicionais por métodos inovadores de
ensino e aprendizagem, no desvio do foco do docente para o aluno, na percepção
das especificidades do processo de ensino e aprendizagem para adultos e na
promoção de ambientes de aprendizagem variados.
Ao passo que as discussões da área de
ensino de história tratam, sobretudo, da questão do ensino e aprendizagem na
educação básica, com este texto o objetivo foi oferecer apontamentos
diretamente relacionados ao meio universitário e, consequentemente,
relacionados à formação inicial de professores de história. Considera-se que a
ênfase no processo de aprendizagem pode ser o primeiro passo para o
redirecionamento das licenciaturas em História em vista de superar os impasses
já discutidos e alcançar uma formação que se estruture na “articulação entre a
teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio dos
conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão”, como estabelece a Resolução nº2, de 1º de julho
de 2015, do Conselho Nacional de Educação.
Referências
Douglas Mota Xavier de Lima é professor
Adjunto da Universidade Federal do Oeste do Pará, Doutor (2016), Mestre (2012),
Bacharel e Licenciado (2009) em História pela Universidade Federal Fluminense.
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João Matheus da Silva Cruz
ResponderExcluirProf. Douglas, na sua opinião, que essa ênfase maior no desenvolvimento da prática docente, com o enfoque maior nas metodologias de pesquisa, por exemplo, seja em razão da baixa valorização salarial que professores vem recebendo no país a décadas, e mais recentemente, por conta de movimentos conservadores como o 'Escola sem Partido’?
Caro João, obrigado pela pergunta.
ExcluirVou tentar desenvolver uma resposta, caso não consiga abarcar a sua pergunta, podemos avançar na questão.
1. relação entre formação docente com enfoque em pesquisa e baixa remuneração.
Considero que a circunstância expressa diferentes problemas que enfrentamos, ainda que não tenha relações de causa-efeito. a) A hierarquização entre o historiador-bacharel (mais valorizado) e o historiador-professor da educação básica (desvalorizado). Tal hierarquia resulta, entre outros fatores, na distância salarial e de status profissional entre os docentes de História no meio acadêmico e no meio escolar. Baixos salários, violências e condições estruturais precárias, acabam conduzindo cada vez mais estudantes de História para fora da sala de aula da educação básica, principalmente, em expectativa profissional, visto que, em termos práticos, será nas salas de aula das escolas públicas que a maior parte dos recém formados irão trabalhar. B) a relação também revela que o enfoque (quase) exclusivo em discussões historiográficas e metodologias de pesquisa, tão comuns em cursos de licenciatura em História "do Oiapoque ao Chuí", favorecem que a identidade profissional do estudante de História como "professor" fique subdesenvolvida, contribuindo diretamente para que a "prática docente" fique em segundo plano e o futuro professor almeje os melhores salários possíveis a partir da via da pesquisa.
Em síntese, considero que "o enfoque maior nas metodologias de pesquisa", como você bem assinalou, expressa tanto a desvalorização da formação docente para a educação básica, marcada por baixos salários e problemas vários, como uma concepção hierárquica que valoriza mais os saberes do bacharelado em detrimento dos saberes da docência.
2. Movimentos conservadores (ex.: Escola sem Partido) e formação docente com foco nas metodologias de pesquisa.
Penso que propostas como a do movimento citado atuam mais para limitar a abrangência da formação docente - por exemplo, focando em práticas de ensino em detrimento de formação teórica e política - do que para reafirmar um padrão de formação inicial que se concentre em metodologias de pesquisa. Em linhas gerais, penso que a resistência em assumir a importância da formação docente como eixo estruturante das licenciaturas em História nutre-se mais da tradição acadêmica da área (seja no Brasil ou no exterior) do que de movimentos externos ao "campo" acadêmico.
Prof. Douglas, na sua opinião qual o maior problema do ensino de História no Brasil atualmente ?
ResponderExcluirJessica Monteiro Viana de Andrade.
Olá Jéssica, obrigado pela pergunta.
ExcluirEntão, não acredito que exista "o maior problema", e sim um conjunto de fatores.
Podemos levantar problemas macro, como infraestrutura precária, falta de professores, baixos salários e desvalorização profissional, violência no ambiente escolar, entre outros. Perceba que são problemas que envolvem toda a Educação, mas afetam diretamente o ensino de história.
Na minha conferência tentei concentrar a reflexão na formação inicial oferecida pelos cursos de licenciatura em História, nesse recorte temático penso que um dos problemas centrais enfrentados é a permanência de uma lógica de formação direcionada aos saberes da pesquisa em detrimento das discussões pedagógicas. Ressalto que estou tentando propor que a problemática da docência esteja presente, de forma explícita, desde o primeiro período, passando por disciplinas como Antiga, Medieval, Moderna, África, Brasil, América, etc, e não apenas por componentes pedagógicos (Didática, Prática de ensino, Psicologia da educação, etc). Por fim, também busquei enfatizar que, ao meu ver, as metodologias ativas constituem uma via privilegiada para tal formação docente.
Parabéns professor Douglas Mota Xavier de Lima e obrigado pelo trabalho. passei a ser seu fã.
ResponderExcluirJosé Guilherme Aguiar Assis.
Obrigado José Guilherme.
ExcluirParabéns pelo excelente texto, Douglas!
ResponderExcluirSou mestrando em educação e professor de história, porém vejo também uma enorme carência no que diz respeito ao uso de metodologias ativas no ensino de história e, como bem colocado no texto, nas aulas oriundas das ciências humanas. Concordo contigo que a falta de conhecimento ou formação pedagógica na graduação e na pós-graduação prejudica o professor de história no ato do ensino.
Nesse sentido, em sua concepção, qual seria o caminho a ser seguido para suplantar essa situação em torno do ensino de história?
--
Fábio Alexandre da Silva
Olá Fábio, obrigado pelas palavras.
ExcluirPrimeiramente, considero que os novos marcos legais para os cursos de licenciatura, passando ainda pela aprovação BNCC, estão acentuando a ênfase na formação docente e isso tende a pressionar por mudanças na formação do professor de história. Estamos em meio ao turbilhão de transformações e não podemos negligenciar o cenário político nacional e as contradições inseridas nas leis e políticas educacionais citadas, de todo modo, considero que questões como: ambientes diversificados de aprendizagem, estratégias de aprendizagem colaborativa, usos de tecnologias da informação e comunicação no ensino, etc, serão temas incontornáveis na próxima década.
Em segundo lugar, venho tentando destacar que a preocupação com a formação docente não deve estar presente apenas nas disciplinas pedagógicas, mas ser um dos elementos estruturantes de todas as disciplinas dos cursos de Licenciatura em história. Em termos práticos, considero que componentes curriculares como Antiga, Medieval, Moderna, América, África, Contemporânea..., devem abordar historiografia, o contexto, porém também devem discutir como ensinar história antiga, medieval, moderna, América...
Por exemplo, em minha universidade leciono Antiga, Medieval e Moderna na graduação. Nas disciplinas, temos encontros para discutir os conteúdos citados nos livros didáticos, pesquisas de campo a fim de identificar como os professores da rede municipal ensinam os conteúdos citados, usos de filmes, quadrinhos, literatura e outras linguagens para o ensino das matérias, e mais recentemente tenho trabalhado com avaliações finais nas quais os futuros professores produzem jogos didáticos, peças teatrais, entre outros elementos que visam explorar os conteúdos históricos das disciplinas associando-os ao exercício da docência.
Por fim, tendo em vista que você assinalou o tema das metodologias ativas, gostaria de destacar outro elemento. Considero que a problemática que orienta os métodos ativos enfatizam a aprendizagem como elemento central da docência e não o ensino. Essa reorientação conduz o professor a repensar seu planejamento, os conteúdos e as estratégias de ensino, buscando alcançar a aprendizagem do educando (em geral, adulto) que, tem seu papel de protagonista reforçado. Ao fazer isso, não duvido que a forma como o ensino em geral e, especificamente, o ensino de história ocorre, tende a mudar.
Desejo um bom desenvolvimento da sua pesquisa de mestrado.
Cordialmente,
Douglas Lima
Olá Prof. Douglas,
ResponderExcluirPrimeiramente, parabéns pelo texto extremamente lúcido quanto aos problemas da nossa formação docente em História. Eu diria até que seu texto é uma defesa apaixonada de uma urgente renovação no campo da História enquanto disciplina (se eu estiver errado neste ponto, gostaria de ser corrigido).
Quanto às suas críticas ao modo como é feita a formação docente, de onde o texto traz a boa fundamentação de Jörn Rüsen, apontando a "cientifização" da História do século XIX como um dos motores de uma certa discriminação à didática da História, me vem a seguinte questão: é possível, sim, associar a prática investigativa à didática; no entanto, por quais meios podemos estruturar essa associação de forma sincrônica, sem que haja uma discriminação ou superioridade da História 'acadêmica' ou da História 'ensinada'? Afinal, sabemos que há certa dicotomia um tanto pejorativa entre estas áreas, que vem desmerecer a prática do ensino e exalta a prática acadêmica, mas que deixa de enxergar que, em essência, ensino e pesquisa devem ser interdependentes.
Por: Luiz Henrique Bonifacio Cordeiro.
Olá Luiz, obrigado pelas palavras.
ExcluirConcordo que busquei fazer essa tal defesa da renovação da formação docente. Tive a oportunidade de lecionar durante 6 anos na educação básica, mesmo período de formação na pós-graduação. Desde que assumi o magistério superior em 2014, venho tentando explorar novas estratégias de ensino e aprendizagem, mesmo concentrando minha ação em disciplinas contextuais como Antiga e Medieval.
Concordo com os seus apontamentos e penso que para associar a prática investigativa à didática algumas ações são importantes, como: aproximar todo o quadro acadêmico do curso de história do ambiente escolar, e não apenas os professores de ensino de história (que, como assinalado no texto, por vezes, também não tem uma trajetória ligada ao ensino); e mobilizar nosso instrumental teórico-metodológico da área para o ensino. Em geral, as disciplinas se limitam a buscar estratégias para perceber se determinados conceitos foram aprendidos, se o discente consegue discutir um tema confrontando autores, fazendo uso de avaliações escritas (resenhas, fichamentos, prova). Considero que é importante dar mais um passo e, desde os primeiros períodos da graduação em licenciatura em história, conseguir problematizar como esse instrumental pode favorecer a aula de história.
Boa noite Professor Douglas.
ResponderExcluirEu trabalho com o Ensino Fundamental I e estou terminando a faculdade de História, e observo como nas séries iniciais o conteúdo trabalhado com as crianças é superficial. Além da falta de conhecimento ou interesse dos profissionais em aprender sobre o tema e construir o conhecimento com seus alunos.
A minha questão é, será que esse conteúdo "fraco" nas series iniciais aliado com a falta de interesse e uma desvalorização do conteúdo de História, desde o Fund. 1, não está refletindo para um demérito da importância de se estudar essa disciplina, tanto do Fund 2 e Médio quanto nas Universidades?
Obrigada.
Amanda Wrobel Schatz Gouveia
Olá Amanda, obrigado pela pergunta.
ExcluirEntão, não considero que a forma como é trabalhado o ensino de história nas séries iniciais seja um fator central que contribua para a desvalorização da área de História. Penso que outros fatores, como o descrédito dado às ciências humanas, por exemplo, têm um peso mais importante.
No entanto, você traz uma questão complexa. Meses atrás tive a oportunidade de participar de uma mesa-redonda tratando da BNCC e destacava que, com a Base, conteúdos tradicionais de História, como História Antiga (surgimento da cidade e do Estado, Egito e Mesopotâmia) estão inseridos no 5º ano. Ou seja, parte considerável dos conteúdos de História Antiga serão lecionados por pedagogos e não por professores de história. Tal como você relatou, cada vez mais estudantes e graduados em história atuam com as séries iniciais, contudo, esse não é o fluxo correto. As licenciaturas em história não formam profissionais para as séries iniciais, e sim para o Fundamental 2 e o ensino médio. Acrescento que os cursos de pedagogia, em geral, tem apenas 1 disciplina de história, responsável por apresentar elementos sobre o ensino de história de 1 a 5 ano.
Outra questão possível de discutir é: será que nas séries iniciais e nessa etapa de aprendizagem, a história deve se pautar em ensinar os conteúdos contextuais ou buscar enfatizar as estratégias de ensino-aprendizagem em torno de conceitos-chave (temporalidade, processo histórico, fontes...)?
Mais uma vez, a sua pergunta é muito boa para refletir...
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