Cleverton Barros

O POTENCIAL DA LITERATURA NO OFÍCIO DO HISTORIADOR


“(...) a literatura é, ao mesmo tempo, artifício e verossimilhança”.
James Wood

Por muito tempo a literatura ficcional foi tratada como um tipo de linguagem pouco apropriada para um trabalho historiográfico. Não obstante, acredito que essa dificuldade de aproximação, em parte, segue a noção da literatura ficcional na acepção simplificadora de documento. Ou seja, encontrar somente a parte da verossimilhança, não compreendendo a dimensão das nuances das linguagens da qual os gêneros literários são tributários, tem sido um dos primeiros problemas a serem questionados e interrogados.

Meu interesse é pensar sobre as entradas que a literatura possibilita ao historiador em seu ofício, tomando a modalidade da ficção também em sala de aula. Inclusive, para tornar mais claro que o trabalho com gêneros ficcionais funciona como um contraponto a história vista exclusivamente num viés factual ou dentro da perspectiva restritamente das periodizações clássicas. Aliás, o historiador pode discuti um dos aspectos imprescindíveis neste debate, ao tratar das figurações literárias e a emergência dos direitos.

Historicamente o século XIX emerge como um período reflexão literária. Inclusive, se pesarmos nos inúmeros romances que trouxe leituras diversificadas das experiências das populações pobres nas cidades de Londres e Paris, como estudado pela historiadora Maria Stella Bresciani. Ela procurou analisar, do pondo de vista histórico, a relação entre os meios de comunicação de massa ou a cultura produzida em larga escala e a constituição da identidade das personagens urbanos nos séculos XIX e XX (2004: p.7-21). Na esteira da reflexão de Walter Benjamin e Hannah Arendt, Stella Bresciani estuda como Paris instaurou os símbolos da modernidade que assumiram o signo de mito literário. No direcionamento de sua análise a relação da reprodução da arte, a historiadora situa seu viés de análise da literatura na acepção de linguagens políticas:

Afirmo, entretanto, um ponto de vista teórico para o estuda da produção e da circulação cultura de massa: ele é diverso da postura de ampla aceitação entre críticos literários, historiadores e sociólogos da arte e da literatura que erigem o autor e sua produção em objetos de estudo, buscando compreendê-los e explicá-los partindo da inserção social do autor. Não nego o vínculo entre autor e a sociedade, nem a importância da sua condição de nascimento, sua formação intelectual e sua experiência de vida. Por outro lado, gostaria de mostra, como já indiquei no início, que, para além da faceta reflexiva e expressiva da obra de arte no mundo contemporâneo, pode-se considerá-la em sua diversidade como linguagens que participam ativamente da constituição das identidades sociais e das concepções sobre as cidades modernas. (BRESCIANI, 1986: p. 210) 

Nestes termos, Bresciani afirma que os meios de comunicação de massa “apresentam-nos a imagem do que somos, não através de um movimento mimético que retrata ou representa a “realidade” aparente, mas como movimento instituinte de nossa condição social”.  Essa ideia é importante para compreensão da literatura como constructo, parte reflexiva e estética sobre a condição humana. Por isso, a obra de arte na contemporaneidade comporta construções indenitárias e de concepções das cidades modernas; uma vez que, a ficção enquanto linguagem constrói inclusive o espaço da cidade, expressando assim, suas contradições e utopias.

Aliás, a literatura também constitui em uma ferramenta para compreensão da constituição estética da sociedade. O filósofo Jacques Rancière recorreu ao conceito de "políticas da escrita" como elemento chave na compreensão desta constituição estética, naquilo que denominou de condição de "partilha do sensível". Ou seja, a partilha do sensível segundo Rancière tem duas acepções: “a participação em um conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição dos quinhões. Uma partilha do sensível é, portanto, o modo como a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas se determina no sensível” (RANCIÈRE, 2017: p.8). Ao explicar essa noção, o filósofo atenta para o fator da movimentação dos corpos ou sua interdição, para assim, compreender as políticas da escrita ou da ficção. Deste modo, a ficção não é vislumbrada como representação da sociedade, antes, ela seria valorizada pela construção: 

(…) a política da ficção não ao lado que ela representa, mas ao lado do que ela realiza: as situações que ela constrói, as populações que ela convoca, as relações inclusão ou de exclusão que ela institui, as fronteiras que ela traça ou apaga entre a percepção e ação, entre os estados de coisas e os movimentos do pensamento; as relações que ela estabelece ou suspende entre as situações e suas significações, entre as coexistências ou sucessões temporais e as cadeias de causalidade. (RANCIÈRE, 2017: p. 13-14)

Por essa compreensão, a ficção literária é trabalhada sob a perspectiva de "construções lógicas dos fatos” e das operações entre política e literatura. Seria, portanto, um exercício que não está necessariamente instituído na ficção literária, alerta Jacques Rancière.

Portanto, a acepção de literatura ficção como artifício e verossimilhança conduz a leitura do historiador na pesquisa historiográfica e, também, na sala de aula num viés mais rico e, por assim dizer, menos redutor. Isso posto que, muitas vezes a ficção é utilizada em grande parte dos livros didáticos, como um adento ou ilustrador de alguma análise factual. Ou seja, parece que ainda existe uma desconfiança em tratar da literatura nestes compêndios didáticos, apesar do cenário das abordagens na produção acadêmica dos últimos quarenta anos sejam de aproximação.

É oportuno sempre reiterar que nem sempre foi fácil aceitar a literatura no repertório das fontes históricas como alertou Antônio Ferreira (2009: p.61). Mesmo que hoje não cause estranhamento, o uso de textos literários ou ficcionais numa pesquisa historiográfica passou por diversas mudanças. Os múltiplos olhares sobre a literatura nos estudos acadêmicos tem revelado ricas abordagens de autores clássicos aos contemporâneos.

As historiadoras, Virgínia Camilotti e Márcia Naxara fizeram uma análise importante do usa da literatura na produção recente brasileira. Na realidade, as autoras constataram que a utilização da literatura como material de pesquisa "apareceu ilegítima ou desqualificada aos historiadores de ofício durante grande parte do século XX”; o ponto de ruptura do uso dos textos ficcionais na historiografia aconteceu nos anos 1970, momento de aproximação em diversas abordagens interpretativas.

Camilotti e Naxara reitera que devemos hoje falar de um afastamento entre história e a literatura oriundo do século XIX. Seria na longa duração, que emergiu do “processo de autonomização da arte”; as autoras sugerem que aproximação ou apartamento entre história e literatura em grande parte do século XX também seguiu pela “idiossincrasia própria ao ofício - historiadores são (ou deveriam ser), por excelência, sujeitos desconfiados” (CAMILOTTI, NAXARA: 2009: p.18). Assim, no processo de formação da História enquanto campo disciplinar no século XIX houve um afastamento certamente pelas bases da construção dos saberes: 

"Não esqueçamos que, tanto a história como a literatura, emergiram como campos disciplinares no sentido aqui utilizado, no limiar mesmo da modernidade. Como ruptura aos saberes anteriormente constituídos e, no caso da literatura, ruptura “em relação a um saber consolidado a partir de regras previstas nos tratados de retórica” e a partir de “uma inquietante pergunta sobre a sua instável e insustentável existência nos limites de um saber tradicional associado aos gêneros e às artes poéticas”. Ambas em meio a tantas outras disciplinas que respondiam às ambições de conhecimento do mundo pelos homens, em momento que confere peso inédito para a historicidade dos acontecimentos naturais e humanos, lembrando as diferentes vertentes do historicismo." (CAMILOTTI, NAXARA: 2009: p.20)

Certamente, esse processo de afastamento ainda é um fator chave para compreensão do papel da ficção literária nos estudos históricos e nos usos no contexto das aulas de história. Pois em grande medida, a literatura fica sujeita ao espaço das aulas de Língua Portuguesa, ou nos resumos desfigurados para as provas dos certames. Entretanto, cabe ao historiador apresentar aos alunos os debates que literatura possibilitam na produção do conhecimento histórico.

O romance social de 1930 é uma das entradas importantes para pensar a condição humana no país e da emergência dos direitos. Aproximei-me da produção romancista deste período, numa obra pouco conhecida hoje: Os Corumbas, do escritor Amando Fontes, texto publicado em 1933. A obra ganhou diversos prêmios daquele ano, inclusive colocou o autor numa condição privilegiada no campo editorial. Ele trabalhou, depois do sucesso de crítica e publicação do seu primeiro romance, com o editor José Olympio na famosa e charmosa Rua do Ouvidor 110. Na condição de advogado, Fontes exerceu papel de articulador dos romancistas desse período que publicaram suas obras na editora José Olympio, a exemplo, dos autores Jorge Amado, Raquel Queiroz, José Lins do Rêgo, dentre outros.

A minha questão era entender, ao tratar das figurações de Amando Fontes , das políticas de escrita. Ou seja, quais eram as construções estéticas dos personagens e, em que medida emergiam leituras políticas da condição dessas figurações? Neste sentido, trabalhei as construções políticas do autor e aproximei aos críticos. O resultado do trabalho foi importante para que eu pudesse lidar questões da aproximação entre História e Literatura. Neste sentido, as ferramentas da crítica, da filosofia, da sociologia, foram imprescindíveis para não conferir uma leitura reducionista ou mesmo sujeita ao tratamento único da verossimilhaça (LIMA, 2013).

Em síntese, o livro de Amando Fontes trouxe a saga de uma família do interior de Sergipe que fugiu das secas do início do século XX (LIMA, 2010). A narrativa é tecida em três espaços privilegiados: o interior, onde essa família de pequenos agricultores vive da terra; a usina, espaço de passagem, ou melhor, de fuga da seca em que a família trabalha por um breve período; e por último, a cidade fabril que é o cenário de chegada da peregrinação. Na cidade, a família é fragmentada pelo contexto de dissolução promovida pelas condições do trabalho nas fábricas do Aracaju. O autor descortina um cenário sombrio, em que, muitas mulheres trabalhavam em locais insalubres, vítimas de doenças respiratórias e sem nenhuma seguridade social ou trabalhista. Enfim, os filhos do casal de agricultores são destruídos na cidade dos sonhos: primeiro, pela doença oriunda da fome e desnutrição; segundo, a derrocada acontece do cenário da fábrica, em que a vida sexual das meninas determina a exclusão no trabalho fabril. Uma das filhas é vetada do trabalho fabril por envolvimento sexual com o parceiro, o que de certa forma, o levou a zona do meretrício. O único filho do casal envolve-se nas lutas sindicais, mas sofre perseguição da polícia e, é enviado ao presídio no Rio de Janeiro. Essa experiência de destruição da família dos Corumbas, instiga o casal de idosos a voltarem ao sertão, lugar político da tradição.

Observe que literatura permite ao historiador pensar a política e, por certo construir outras leituras sobre a história do Brasil. Exatamente, por acreditar como Northrop Frye, nos termos de que a “literatura pertence ao mundo que o homem constrói, e não ao mundo que ele vê; pertence ao seu lar, e não ao seu ambiente. O mundo literário é um mundo humano concreto de experiência imediata” (2017: p.23). Por isso, acredito que a legitimidade de pensar a literatura no ofício do historiador é, primeiramente, ampliar os olhares sobre aquilo que constrói, mundos possíveis e críticas contundentes.

O romance de 30 pode ser uma entrada, mas a literatura atual também sugere esse potencial oculto da literatura, como sugeriu Hans Gumbrecht. A ideia de efeitos presença, ou a palavra Stimmung em alemão, comporta estudar a literatura nas “atmosferas e nos ambientes” com a aproximação da estética. Portanto, seria uma abordagem que “pressuponha o prazer de lidar com o passado cultural” (GUMBRECHT: p.32). Aliás, ao trabalhar com o conceito de presença, Gumbrecht faz análises da obra literária de Thomas Mann, mas, também, revela a importância da música de Janis Joplin em sua atmosfera de "uma América cheia de charme e paisagem” (idem, p.121).

A ideal desse potencial da literatura que estaria oculto é um dos fatores importantes do trabalho com obras de ficção no ofício do historiador. Estudar a literatura e, assim, aproximá-la do contexto das aulas de História seria uma oportuna valorização também da leitura. Nesse sentido, uma centralidade em um dos bens culturais mais importantes, essencialmente, por sua capacidade de criar mundos. Como um produto humano, a literatura tem um potencial oculto que precisamente fomentaria um conhecimento histórico de outros parâmetros e perspectivas.

Referências
Cleverton Barros de Lima é Prof. da FANESE/IFS-SE

BRESCIANI, Maria Stella. “Século XIX: a elaboração de um mito literário”. História: Questões & Debates. Curitiba 7(13): 209-244, dez. 1986. p.210.

BRESCIANI, Maria. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004.

CAMILOTTI, Virgínia e NAXARA, Márcia Regina C. História e literatura: fontes literárias História: Questões & Debates, Curitiba, n. 50, p. 15-49, jan./jun. 2009. Editora UFPR.

FERREIRA, Antonio C. Literatura: A fonte fecunda. In: O Historiador e suas fontes. Carla Bassanezi Pinsky e Tania Regina de Luca (orgs.). São Paulo, Contexto, 2009, p. 61-91.

FRYE, Northrop. A imaginação educada. Tradução de Ariel Teixeira et al. Campinas: Vide Editorial, 2017.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, Stimmung. Sobre um potencial oculto da literatura. Tradução de Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC Rio, 2014. 

LIMA, Cleverton Barros de. Imagens do Povo: política e literatura na obra de Amando Fontes. (Dissertação de Mestrado em História). Campinas: IFCH/UNICAMP, 2010.

LIMA, Cleverton Barros de. Literatura e sofrimento: um olhar médico sobre a “vida”. Hist. cienc. Saúde-Manguinhos [online]. 2013, vol.20, n.3, pp.1025-1040.

RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. 2a. ed. Tradução de Raquel Ramalhete et al. São Paulo: Editora 34, 2017.

RANCIÈRE, Jacques. O fio perdido: Ensaios sobre a ficção moderna.Tradução de Marcelo Mori. São Paulo: Martins Fontes, 2017. 

RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. 2a. ed.Tradução de Raquel Ramalhete et al. São Paulo: Editora 34, 2017.

WOOD, James. Como funciona a ficção. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

32 comentários:

  1. Olá, professor!

    Os estudos de Bresciani também nos apresentam a relação da literatura com o "foro íntimo", conforme apontado por Germaine de Staël. A partir da perspectiva de formação de cidadãos e conscientização de valores morais por meio, neste caso, da litetura, quais elementos considerar na seleção da obra a ser estudada e/ou utilizada em sala de aula?

    Att.
    Lucas Santos

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    1. Isso mesmo, Lucas Santos, o trabalho da historadora Stella Bresciani transita pelo campo dos sentimentos e das paixões.
      Talvez um elemento importante seja realmente esse do foro íntimo para pensar o potencial da literatura no oficio do historiador. Assim, penso que as narrativas mais instrutivas seriam as que tragam figurações de personagens em situações limites. Os personagens figurados por Graciliano Ramos, em livros como Vidas Secas, seria oportuno para levar o estudante de ensino médio a avaliar a condição humana e seus direitos em sua amplitude sentimental, retórico e político.
      Daí a necessidade do professor ser um leitor de literatura, pois teria condições de pensar um acervo ficcional mais amplo. Por exemplo, pensando autores clássicos (como diria o escritor Ítalo Calvino) numa chave de análise dos direitos humanos como faz Lynn Hunt, ou mesmo, da construção dos valores de uma classe social, muito oportuno a obra de Peter Gay.
      Ou até mesmo, nas questões sociais e da cidade, como faz Stella Bresciani ao analisar o papel das multidões na literatura do século XIX.
      Um aspecto importante seria a análise de obras ficcionais (conto, poesia, romance, teatro, memória, autobiografia) a partir do conceito de violência. Assim, utilizar os livros ou contos de Rubem Fonseca, Patrícia Melo, Ferréz, Kafka seria uma entrada para esse tipo de abordagem; imprescindível para que o aluno leia e procure explorar as construções estéticas e políticas. Por exemplo, pensar como os personagens lidam com as demandas das experiências de violência?
      Acredito que esse tipo de trabalho tem uma importância imprescindível de construção de um acervo literário no contexto de pouca relevância da ficção na formação de leitores. No geral, o aluno ler alguma literatura nas aulas de Língua Portuguesa, entretanto, no contexto do uso no ensino de História ainda é pouco propagado ou privilegiado. Ainda que autores modernos de obras didáticas tragam algum tipo de análise literária, ainda é bastante tímida as interpretações e apropriações pois veiculam unicamente o aspecto da representação. Por isso, é preciso também que exploremos outras chaves de leitura que a crítica literária e a filosofia trabalham tão bem.

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  2. Bom dia, Prezado Conferencista Cleverton Barros

    Na sua comunicação, o senhor explica que a Literatura e a História podem/devem ser elementos narrativos em que hajam espaços de comunicação no espaço escolar. Essa interação gera dividendos positivos ao alunado, tal qual a capacidade de leitura. Dessa forma, questiono-lhe, metodologicamente, como inserir a Literatura em sala de aula além da utilização das leituras?

    Cordialmente,

    Danilo Sorato Oliveira Moreira.

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    1. Metodologicamente, acredito no trabalho de leitura em que os alunos possam ser acompanhados durante o ano no que Sara Leite chamou de "Caderno de Leitura” (Reader’s Notebook). Em síntese, a leitura partiria da seguinte estratégia:

      "Lê um livro, ou regista as tuas ideias e sentimentos acerca do que leste.
      Trabalha em silêncio, para que tu e os teus colegas consigam concentrar-se.
      Fala em voz baixa quando estiveres a conversar com o professor.
      Escolhe livros de que achas que irás gostar e desiste da leitura de livros que não te estejam a entusiasmar, depois de teres experimentado lê-los.
      Toma nota da informação sobre o livro quando começares a lê-lo e regista a data em que acabas de o ler.
      Tenta sempre fazer o teu trabalho o melhor possível”
      (LEITE, Sara)

      Muito instrutivo pensar numa organização de leitura ficcional no trabalho historiográfico. Pensar numa lista em que de livros que o aluno tenha interesse é a melhor estratégia. Essa escolha numa lista mais ampla vai possibilitar um trabalho mais empenhado.


      Leia o texto instrutivo da professora Sara Leite sobre o uso do Caderno de Leitura. ver: http://www.revistadobra.pt/pc_saraleite.html

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  3. Bom dia, Cleverton! De acordo com suas pesquisas, a Literatura irrompe como materialidade histórica, produto de práticas discursivas de uma época ou é produto da "intencionalidade" de um autor?
    Agradeço a atenção!
    Ana Lourdes Queiroz da Silva

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    1. Bom dia, Ana Queiroz. obrigado pela questão. Acredito que o potencial da literatura esteja muito além da mera representação. Para além das análises discursivas ou intencionalidade autoral, a literatura cria mundos imaginados que são importantes para se narrar outras perspectivas históricas. Por isso, acredito que seja imprescindível sair da ideia frágil de perceber a literatura restrito a uma visão canônica de documento.Ou seja, procuramos análises dos conteúdos, como afirmou Dominick LaCapra.Imprescindível é pensar esses textos enquanto produtores de sentido.

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  4. Prezado Cleverton Barros, parabéns pela explanação. Ficou clara, em seu texto, a importância da literatura enquanto fonte de pesquisa e aporte para o ensino de história quando se trata da relação texto/contexto. Apenas uma dúvida me inquietou. O senhor acredita que é importante, em sala de aula (ensinos fundamental, médio e superior), considerarmos a relação entre uma dada estética ou escola literária com seu contexto, ou seja, literatos inseridos em meio à lutas políticas, econômicas e simbólicas no tecido social?
    Outra questão: historiografia e literatura caminham juntas na cristalização de uma escola historiográfica?

    Parabéns mais uma vez.

    Heraldo Márcio Galvão Júnior

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    1. Bom dia Heraldo Galvão, obrigado pelo comentário.
      Entendo sua inquietação quanto ao uso da literatura no contexto educacional. A princípio, acredito que seja interessante pensar em questões problemas para planejar bem o uso dessas obras literárias em sala de aula. Um caminho seria o princípio caro aos debates da educação e da formação para a cidadania. Ou seja, um problema relevante em virtude das violações dos direitos fundamentais; seria uma estratégia desafiante pensar os direitos humanos, cidadania e violência no período das ditaduras civil e militar, nos sentidos retóricos e estéticos que livros autobiográficos como Batismo de sangue, de Frei Betto ou, mesmo, o conto O jardim das Oliveiras, de Nélida Piñon, confere.

      A sua segunda questão é imprescindível para compreendermos os estudos literários e a historiografia. Geralmente, os autores canonizados pelos estudos literários são os mais privilegiados nos estudos também por historiadores (observe a quantidade de estudos sobre Machado de Assis).
      Por exemplo, os estudos sobre a literatura do início do século XX no Brasil é tratado por muitos historiadores como parte do denominado Pré-modernismo. O problema é que essa definição, deveras pejorativa, desqualificou e marginalizou autores como Lima Barreto e João do Rio. Isso em virtude que a chave de leitura é sempre o paradigma do modernismo.
      O historiador Daniel Faria escreveu um trabalho importante sobre o nascimento dessa ideia de desqualificação dos autores da Primeira República. Em certo sentido, a historiografia naturaliza as divisões dos estudos literários clássicos ao pensar os autores e escolas. Entretanto, penso que existam outros caminhos como o estudo O mito modernista (Edufu, 2006) do professor da Unb, Daniel Faria

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    2. Muito obrigado pela explicação e sugestões.

      Abraços

      Heraldo Márcio Galvão Júnior

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  5. Ivanize Santana Sousa Nascimento9 de abril de 2018 às 20:53

    Boa-noite, professor Cleverton! A sua temática é pertinente e oportuna. Haja vista vivermos em uma sociedade pouco literária, onde o trabalho com a História às vezes torna-se complexo por falta de aparatos como esse: a literatura. Nesses dias estou trabalhando com turmas de 9º ano sobre o século XIX e, fiz um recorte das artes da época trazendo o Romantismo e o Realismo para um estudo paralelo, análise política e social daquele período. Seu texto veio reforçar e aprimorar minhas ideias. Grata!

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    1. Olá Vanize Sousa, obrigado pela leitura. É bem desafiador pensar o uso de textos literários nas aulas de História. Somos um país com mais farmácias que livrarias e bibliotecas. Além de estarmos imensos numa dinâmica da imagem como mediadora central da cultura. Mas, vale a pena o esforço para inserir os alunos nesse universo interessante e instigante. Desejo sucesso no seu trabalho.

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  6. Bom Dia, Cleverton Barros

    Sabendo do potencial que abarca a obra literária no sentido de nos revelar aspectos diversos das experiências e práticas humanas, vivenciadas em determinado tempo e espaço, considerando-a ferramenta pedagógica de suma importância para compreender determinado contexto histórico, pois traz vestígios do existir nesse espaço e que se revela como foram vivenciados no seu tempo.
    A literatura, entendida por vários estudiosos como documento histórico e evidenciada como ferramenta importante para a investigação histórica, podendo então, ser legítima para o uso do historiador, ao passo que ajuda a acessar e entender o objeto de/em estudo, surge e é produzida em diálogo com a sociedade a qual pertence. O literato, ao produzir sua obra, considera as condições do tempo, do espaço, da cultura, das relações sociais, inclusive políticas, da sociedade que figura. Desta forma, pode se dizer que a literatura tem raízes sociais na história;
    Considerando a dinamicidade que se propõe em trabalhar com a literatura como fonte histórica, historiadores esbarram neste desafio. Como você vê esta questão, entendendo o processo de formação ao qual passaram esses historiadores que se propõe fazer a análise literária?

    Atenciosamente
    Lélia de Fátima Tomé

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    1. Bom dia Lélia Tomé, obrigado pela questão. Acredito que o uso da literatura no ofício do historiador deva ser trabalhado num viés interdisciplinar. Esse é um dos problemas também na formação do historiadores, pois os cursos de graduação no geral não dão privilégio a interlocução com outros campos. A teoria literária ou a filosofia não são privilegiadas na formação do historiador como deveria. Acredito que seja um desafio nas reformulações das grades de cursos graduação em História.

      Prof. Cleverton Barros

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    2. Obrigada pelas considerações

      Abraço

      Lélia Tomé

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  7. Bom dia,

    A utilização da literatura não poderia ser mais eficaz se fosse acompanhada de um trabalho interdisciplinar com os professores de literatura?
    Att.

    Rodrigo Conçole Lage

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    1. Bom dia, Rodrigo Lage! O trabalho de formação do historiador que deseje trabalhar com literatura deve seguir a interdisciplinaridade. Não acredito que seja uma questão com os professores de literatura. Por exemplo, Raymond Williams - sociólogo- trabalhou brilhantemente com literatura. Walter Benjamin, teórico crítico, tem grandes contribuições sobre o trabalho do historiador que trabalha com literatura; Edmund Wilson, crítico literário, trouxe várias contribuições ao estudo literário. Nestes poucos exemplos é possível compreender a amplitude das abordagens (sociologia, antropologia, teoria crítica, filosofia) que o historiador deve considerar ao trabalhar com literatura.

      Prof. Cleverton Barros

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  8. Bom dia Cleverson, como vai? Obrigado por compartilhar conosco sua reflexão, aliás, didática e clara.

    Acredito que ainda há barreiras disciplinares que persistem em manter-se erguidas, seja por colegas pouco afeitos a interatividade do conhecimento, seja pela necessidade de um aprimoramento maior quanto ao seu próprio saber. Não há dúvida que a literatura, mesmo de ficção sobre um acontecimento histórico, é importante para uma aproximação do evento real. Vou te dar um exemplo: eu trabalho com história da religião, franciscanismo, vaticano II, etc. Sobre o movimento franciscano, há um livro de ficção chamado "Conspiração Franciscana" de John Sacks. Esta literatura ficcional é muito atraente e traz elementos reais misturados a fotos criados pelo autor para desenvolver a trama. Para um trabalho sobre a idade média, sobre os movimentos religiosos daquele período do século XIII ele é excelente porque traz elementos que podem ser trabalhados pelo professor e pelos alunos, numa espécie de investigação para separar o fato real da ficção. E isso traz um ganho à disciplina e ao processo de ensino aprendizagem que são inseparáveis. Enfim, como você afirma, e eu concordo plenamente "é preciso aproveitar o potencial da literatura" em sala de aula.

    Edson Claiton Guedes.

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    1. Boa tarde, Edson Guedes! Obrigado pela leitura do texto. Interessante a sua leitura da literatura no contexto de história da religião. Vejo que o trabalho do historiador ganha amplitude ao tratar outros tipos de textos. Certamente ainda será resistente a aceitação da literatura na oficina do historiador, mas já foi bem pior a situação.

      Prof. Cleverton Barros

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  9. Cleverton, parabéns pelo texto ... Mas como desenvolver uma interdisciplinaridade entre a língua portuguesa e a história visto que as matérias "não se falam" ? Creio que seja necessário um suporte literário formado dentro do estudo da língua para sua posterior (ou concomitante) utilização na disciplina História....Saudações!

    Marcelo Dario Bezerra

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    1. Boa tarde, Marcelo Bezerra! Quando menciono a interdisciplinaridade nas abordagens entre História e Literatura, trabalho com a tese de que já exista tanto na Historiografia brasileira e estrangeira, um amplo diálogo da utilização do texto literário em diversas abordagens teóricas. Na realidade, é possível constatar que a utilização da literatura como material de estudo pelos historiadores foi tratada com desconfiança durante o século XX. Mas, a partir dos anos 1970, a aproximação consolidou-se em diversos modos de tratar o texto literário. Ou seja, temos quase meio século de estudos historiográficos que operam com o texto literário.
      Só a título de exemplo de trabalhos em que historiador lida com o texto literário elaborados por estrangeiros: Carlo Ginzburg, Dominick LaCapra, Peter Gay, Lynn Hunt; historiadores brasileiros que também transitaram por essas veredas: Maria Stella Bresciane, Ítalo Tronca, Nicolau Sevcenko, Durval M. Albuquerque, Sidney Chalhoub, Francisco Foot Hardman, Marcia Naxara, Daniel Faria.
      Pelo que observo, mesmo acreditando que somos desconfiados enquanto historiadores, o diálogo com o trabalho literário foi posto, por exemplo, na obra O mito modernista (2006, EDUFU), do historiador Daniel Faria. Ele inclusive questiona a divisão do tempo em Pré-modernismo, Modernismo, etc. Essa divisão é oriunda dos estudos literários, mas o historiador pode inclusive pensar outras formas de aproximação do texto ficcional.




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  10. Boa tarde, professor Cleverton Barros. Agradeço antecipadamente pelo instigante texto apresentando, aumentou meu interesse em trabalhar a relação História e Literatura dentro do âmbito escolar e no meio acadêmico, e devo também agradecer por indicar os trabalhos da historiadora Maria Stella Bresciani, que até em então desconhecia. Agora, discutindo sobre utilização de obras literárias como documento: como você avalia a situação do estudos interligados entre História e Literatura no campo acadêmico e nas aulas ministradas no âmbito escolar (fundamental, médio e superior)? Você acha, em ambos os casos, que os profissionais das duas áreas, de maneira geral, conseguiram chegar ao nível satisfatório de valorização de projetos históricos-literários, ou existe um longo caminho a ser percorrido?

    Att.
    André Franco de Oliveira Rodrigues

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    1. Boa tarde, André Rodrigues! A professora Stella Bresciani tem um trabalho bastante instigante sobre política e cidades. Indico a leitura da obra dela sobre o pensador Oliveira Viana em que revela uma leitura fascinante sobre os interpretes do Brasil.
      Acredito que a aproximação dos historiadores do texto literário tem crescido paulatinamente. Claro que ainda existe um pouco de desconfiança. No ensino superior, em especial nos cursos de graduação, acredito que ainda falta muito para que os formandos tenham instrumentos teóricos e metodológicos para tratar de literatura, cinema, música.
      A abertura, no meu entender, ainda é nos pós-graduações em grupos de pesquisas atuam multiplicando os estudos. Lembro de um congresso que participei e vi inúmeros colegas trabalhando literatura, a exemplo, as crônicas de Raquel Queiroz, o teatro de Dias Gomes, a obra ficcional de Joel Silveira, etc.
      O desafio fica para os professores de ensino básico, pois vivemos num momento de alienação nos processos de avalição. Em grande medida, esse é um problema da saturação das questões de múltipla escolha.
      No mais, acredito que temos muito trabalho para mudar esse contexto.
      Prof. Cleverton Barros

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  12. Olá Cleverton.

    Gostei do seu texto, também escrevi nesse simpósio sobre as metodologias do ensino da História. No meu texto escrevi um pouco sobre a literatura dentro da disciplina de História, mas eu citei as literaturas como obras clássicas fazendo o uso dela na sala de aula como uma metodologia de ensino.

    A minha pergunta é a seguinte, como foi que você chegou a ter essa ideia de que o trabalho com obras literárias é o ofício do historiador, você se espelhou em algum historiador que faz essas pesquisas na parte literária?

    Att, Aline Karine nunes.

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    2. Olá Aline Nunes, boa noite. Obrigado pela questão.
      Vejamos, tudo inicia com a minha caminhada acadêmica na UNICAMP. Durante a minha chegada nesta universidade, frequentei diversos cursos de historiadores que estavam em treinamento de doutorado e pós-doutorado que tinham os textos literários como parte de suas análises. Conheci o professor Daniel Faria (autor do livro O mito modernista, EDUFU, 2006) durante alguns cursos que participei na condição de aluno especial na gradução de História na UNICAMP. No curso, aprendi a pensar nas possibilidades do uso de textos literários, pois o professor Daniel fez um apanhado interessante sobre a violência e literatura na história do Brasil. Esse foi o primeiro contato com as questões e problemas vinculados a literatura. Após entrar no programa de Pós-graduação em História na UNICAMP, em que fiz mestrado e doutorado, pude aprender e dialogar com as reflexões da minha orientadora, a professora Maria Stella Bresciani e de outros historiadores que trabalham com literatura. Além disso, sou muito inquieto e cheguei a participar de outros cursos na condição de ouvinte no Instituto de Estudos da Linguagem - IEL. Essas experiências acadêmicas, tornaram sólidas meu interesse em trabalhar com literatura. No doutorado, pesquisei a obra ficcional do jornalista e escritor Joel Silveira; tive, então, que ler suas novelas, crônicas e reportagens. Recebi o opoio de bolsas de estudos no mestrado e doutorado do Fundo de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Essa seria uma breve síntese do caminho do meu interesse por literatura.

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  13. Olá professor, ótimo trabalho!
    Sem dúvida alguma, a literatura, especificamente a chamada de erudita, tem sido uma grande aliada para o entendimento da história, principalmente do brasil, nas salas de aula. Obras como a de Machado de Assis, “Esaú e Jacó”, que retrata momentos interessantes da passagem do Brasil Império, para o Brasil República, é uma forma bastante interessante de fazer paralelos com as aulas. Contudo, considerando as novas perspectivas sobre a literatura e as novas formas com que ela está se desenvolvendo, seria também interessante incrementar as aulas com as literaturas publicadas recentemente? Como essas literaturas novas devem ser trabalhadas em sala de aula?

    Gustavo da Silva Ramos.

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    1. Boa noite, Gustavo Ramos! Importante a sua questão, em especial, se falarmos também na história do tempo presente. Acredito que o grande problema de utilizarmos textos literários atuais seja o pouco espaço de leitura ficcional nas leituras do historiador. Contudo, penso que, seria uma estratégia de demonstrar para o aluno que o professor de História é, também, um exímio leitor.
      Certamente, essas leituras seriam inseridas nas problemáticas referentes aos problemas guias, escolhidos previamente no planejamento. Um exemplo, seria pensar a ideia da primeira república trabalhada no romance "O Marechal de Costas" (Alfaguara,2016) de José Luiz Passos em um seminário. Daí seria possível não só aproximar os alunos dos escritores brasileiros, mas também do mundo que a literatura cria. Uma prática interessante seria a construção de um blog feito por textos anotados das obras trabalhadas.



      Prof. Cleverton Barros

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  14. Gostei muito da sua abordagem. Lembrei-me do trabalho de Nicolau Sevcenko sobre o Brasil do início do século XX, a partir de fontes literárias. Você considera que deve haver um distanciamento temporal para que a a literatura possa ser utilizada como fonte na análise historiográfica de um determinado período? Obrigado e parabéns pelo artigo!

    Newton Ribeiro Machado Neto

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    1. Boa noite, Newton Machado! obrigado pela leitura do texto. A obra do professor Sevcenko é bem elucidativa quanto ao potencial da literatura na oficina do historiador. O livro Literatura como missão é um dos mais interessantes sobre os literatos do início do século passado.
      Voltando a sua questão, eu penso que é possível trabalhar com obras atuais. Hoje está em grande relevo os estudos da História do Tempo presente. Penso que, o historiador teria muitas questões a serem levantadas e inquiridas ao trabalhar com um texto literário atual. Imagino num estudo sobre o livro de contos e novelas, Anjo Noturno(2017), de Sérgio Sant’Anna nas aulas de história. Os alunos poderiam fazer fichas de leitura, seminário e um debate sobre as temáticas.
      Enfim, não vejo problema do texto ser atual. Imagino que seria interessante para os alunos conhecerem nossos escritores abordados numa perspectiva histórica.

      Prof. Cleverton Barros

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  15. Este comentário foi removido pelo autor.

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