Victor Henrique S. Menezes e Renato Pinto


AS POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DOS LIVROS DE HARRY POTTER NO ENSINO DE HISTÓRIA


As obras literárias, como assinalado por Maria Eugenia Mudrovic (2012: 89-98), são expressões artísticas e também documentos de seu tempo. Elas constituem, independentemente de suas qualidades estéticas, um dos possíveis locais onde há certa difusão de questões e ideais culturais, sociais e políticos próprios das sociedades e dos tempos históricos nos quais foram produzidas. Elas constituem narrativas que “pelo mito, pela poesia ou pela prosa romanesca falam do mundo de forma indireta, metafórica e alegórica” (PESAVENTO, 2006). São, portanto, expressões tanto de seu autor quanto de sua época. Ao ler, a título de exemplo, o romance inaugural do norte-americano Edgar Rice Burroughs, Tarzan (1914), que consagrou a história da personagem fictícia Tarzan como um dos principais heróis do século XX, é impossível nos desprendermos dos ideais de civilização, cultura, masculinidade, feminilidade, raça e barbárie presentes nas ditas sociedades ocidentais do final do século XIX e início do XX. O romance de Burroughs, além de falar do imaginário ocidental sobre o continente africano, nos diz muito acerca dos aspectos culturais e sociais que circundavam a sociedade na qual o autor estava inserido. O mesmo pode-se dizer de romances recentes pertencentes ao gênero Young Adult que têm sido sucesso entre os mais diversificados tipos de leitores, como os sete livros de Harry Potter (1997-2007). Conforme explicado por Giselle Hirata (2017: 18), o Young Adult (YA), ou Jovem Adulto, é uma literatura voltada aos jovens, mas que contém temáticas mais adultas. Hoje, esse tipo de livro ganha espaço de destaque em todas as livrarias. Mesmo adultos não resistem (e nem deveriam!): no auge do sucesso da série Harry Potter, editoras lançaram versões dos livros com capas mais “discretas”, a fim de não constranger, sobretudo, o público adulto londrino e norte-americano que lia tais publicações em público.

Idealizados pela autora britânica Joanne Rowling (conhecida mundialmente como J. K. Rowling) em 1990, e publicados entre os anos de 1997 e 2007, Harry Potter não é uma série de livros de História, mas, por ser o produto de uma determinada cultura e sociedade, é apropriado e legítimo que a leiamos por meio de uma perspectiva dessa disciplina. Em suas linhas e entrelinhas há uma miríade de metáforas, alegorias, menções e/ou comentários relacionados aos mais diversos temas que rementem à história recente, sobretudo, mas não somente, àquela do continente europeu e às questões polêmicas e aos anseios próprios das sociedades ocidentais do final do século XX e início do XXI. Para além da história do menino que sobreviveu, epíteto atribuído ao personagem principal, a obra de Rowling é composta, pois, por um enredo riquíssimo em referências históricas, filosóficas e culturais que marcaram, e ainda marcam, a sociedade ocidental contemporânea (como o racismo, a escravidão, o totalitarismo, entre outros). Todavia, Harry Potter não é singular, é importante dizer, por ter em seu enredo questões próprias de seu tempo de criação. Todas as produções culturais são marcadas pela cultura e pela sociedade dentro da qual foram engendradas. O que pode fazer de Harry Potter singular, no entanto, é a maneira como a sua narrativa trata de questões históricas enquanto veículo literário de elevado alcance de público, e o enorme potencial referencial que a obra possui para ser trabalhado no ensino de História Contemporânea, entre outras.

Neste ensaio, partimos do pressuposto, portanto, de que a saga Harry Potter é uma das obras voltadas, em princípio, ao público adolescente, que pode ser utilizada como ponto de partida para a discussão de temas como “totalitarismo”, “escravidão”, “nazismo”, “racismo”, “relações de gênero”, dentre outros. A verdade é que Harry Potter pode alcançar um público ainda mais diversificado do ponto de vista etário. Chegando, com ótimos resultados, e merecidamente, à terceira idade. Ao levar este fenômeno literário e cultural moderno para a sala de aula, acreditamos ser possível que o professor de História do Ensino Básico e Médio torne a sua disciplina um tanto quanto mais atrativa, aproximando-a do cotidiano de seus alunos, que contribua ao incentivo da leitura e, ainda, que concilie a sua disciplina, de modo interdisciplinar, a outros campos de ensino como a Literatura e/ou Língua Portuguesa. Por certo, grande parte dos adolescentes brasileiros atualmente conhece a obra de J. K. Rowling.

Mesmo aqueles que nunca leram os livros ou assistiram aos filmes, seguramente já ouviram falar de um vilão chamado Voldermort que defende a pureza do sangue bruxo. Comparar estes ideais dos vilões da saga àqueles atribuídos à Alemanha nazista, por exemplo, por certo pode facilitar a compreensão dos alunos que estejam estudando momentos cruciais da história contemporânea. Nessa linha de pensamento, indicaremos a seguir seis temas da História Contemporânea contidos no enredo de Harry Potter que podem ser analisados em sala de aula ou utilizados pelo professor de História como pontos de partida para as discussões dos referidos assuntos. Longe de ter por intuito ser uma cartilha, esse ensaio busca apresentar possibilidades de diálogo entre Ensino de História e a chamada literatura Young Adult que tem sido consumida incansavelmente por adolescentes e, da mesma forma, por outras faixas etárias de leitores e leitoras brasileiros. 

Temas que sugerimos sejam discutidos em aulas de história a partir de Harry Potter
1. Aspectos da cultura britânica: Quando falamos em cultura britânica, ou culturas britânicas, melhor dizendo, a que nos referimos? Procuramos tratar daquilo que está relacionado ao modo de vida, aos valores, às normas e expectativas que são expressas por determinadas tradições como pertencentes à cultura britânica (ingleses, galeses, escoceses e irlandeses). Aqui, cabe uma observação: é imperativo desnaturalizarmos a existência de culturas impermeáveis ou homogêneas e, assim, aquilo que se chama aqui de “cultura britânica” deve ser, por si só, alvo de uma abordagem crítica no que diz respeito aos seus cambiantes significados adquiridos ao longo de diversos contextos históricos. Cada sociedade, cada grupo social humano tem formas de lidar com a vida, tem os seus valores, possui as suas normas. Algumas coisas nós brasileiros temos em comum com os britânicos, mas há determinados elementos culturais que são próprios dos britânicos, presentes em práticas cotidianas como o café da manhã. No Brasil não é comum o consumo de bacon e salsicha no café da manhã, por exemplo, e, não obstante, esses dois tipos de alimento são a base do café da manhã completo inglês (English Breakfast). Desta forma, práticas comezinhas e mesmo as relações pessoais são perpassadas por questões culturais. O volume Os ingleses, escrito por dois historiadores, Peter Burke e Maria Palhares-Burke (2016), oferece um intrigante e esclarecedor panorama daquilo que aqui denominamos cultura britânica. Nesse livro, há um mapeamento não somente da história da Inglaterra, mas, também, das culturas da Inglaterra desde o século XIX. Trata-se de um instigante exercício de comparação verificarmos como e se questões pontuadas por esses dois historiadores aparecem na saga de Harry Potter.  Em uma passagem de Os Ingleses, especificamente na página 20, Peter Burke e Maria Palhares-Burke apresentam uma citação do literato George Orwell, autor do romance 1984. Orwell, em um dos seus tratados, elenca aquilo que, para ele, comporia a civilização inglesa em sete características. E essas sete características são: (1) café da manhã substancioso, (2) domingos sombrios, (3) cidades esfumaçadas de ruas sinuosas, (4) grandes campos verdes, (5) esguias caixas de correio vermelhas, (6) uma deliciosa xícara de chá e (7) o pub, que o autor descreve como uma “das instituições básicas da vida inglesa”.

Além de trazer essa definição do que é a cultura inglesa de Orwell, Burke e Palhares-Burke oferecem perspectivas de alguns outros autores, também. Torna-se importante enfatizar a diversidade interpretativa do exercício. Um dos autores deste texto, um jovem brasileiro, quando de sua primeira viagem à Inglaterra, ao prestar atenção à paisagem da cultura londrina, considerou marcante a presença e circulação dos double-deckers, os icônicos ônibus vermelhos de dois andares.  Voltando ao parecer de George Orwell, ele nem mesmo cita os ônibus. O que seria possível encontrar em Harry Potter? Das escolhas de Orwell, algumas saltam à vista: o pub seria um bom exemplo inicial. Quando os alunos de Hogwarts, a escola de bruxos, a partir do terceiro ano, visitam a vila de Hogsmeade, um dos lugares prediletos dos alunos em seus passeios escolares, lá estão os pubs: o Três Vassouras, o mais visitado por eles, e, ainda, o Cabeça de Javali, onde se reúnem, por exemplo, os integrantes da famosa armada de Dumbledore em A Ordem da Fênix. Quanto ao café da manhã, um bom exemplo é a maneira como se alimentam em A Câmara Secreta, no momento em que Harry Potter chega à casa dos Weasleys e é recepcionado por Molly, a mãe de seu melhor amigo, com um suntuoso café da manhã composto de ovos mexidos, bacon e salsicha. O estranhamento que tal descrição pode gerar é valioso para a sala de aula. Não somente para o contraste de duas matrizes culturais diversas, a britânica e a brasileira, mas, também, para fomentar debates a respeito das diferentes tradições alimentares encontradas no próprio Brasil.

2. Referências históricas presentes na série. Podem ser encontradas em diversos momentos, como na questão da perseguição às bruxas, que silenciou muitas tradições, práticas e vozes femininas ao início da Idade Moderna. A história da bruxaria e as repercussões socioculturais das crenças e práticas associadas a ela são elementos ubíquos nos estudos feministas, e que contam com um amplo recorte temporal que vai, ao menos da Idade Média, até nossos dias. A questão da perseguição às bruxas é inescapável e explícita em Harry Potter. Abre-se aqui, portanto, uma oportunidade de discutir como certos grupos de pessoas podem sofrer a violência da censura e da repressão física a partir de discursos de vilificação e vilipêndio.

Em outra referência histórica, menos direta, está o arquivilão Guy Fawkes, que no século XVII teria tentado explodir o Parlamento inglês e matar o rei, num plano malfadado. Hoje, todo dia 5 de novembro vê a comemoração de sua prisão, no Dia dos Fogos. No início do volume A Pedra Filosofal, quando o vilão Voldemort desvanece e os bruxos se põem a festejar sua possível derrocada, lançando faíscas e raios de feitiços ao céu, o jornal trouxa (como são chamados os não mágicos na obra) ao qual o tio de Harry assiste provoca: “olha, parece que os ingleses estão comemorando o dia dos fogos, o dia das fogueiras, cinco dias antes” ou seja, em 31 de outubro e não no 5 de novembro. As referências históricas podem aparecer de maneira oblíqua, de forma metafórica ou alegórica, também, como no caso das referências aos governos autoritários, nazismo, fascismo, que podem ser extraídas da construção narrativa dos comensais da morte e de Voldemort. Não está no escopo deste ensaio discutir o tema do autoritarismo em Harry Potter, algo que demandaria uma atenção de maior fôlego, alhures, mas ele percorre a trama em quase todos os momentos.

3. O preconceito de classe. Já presente ao início de A Pedra Filosofal, quando o personagem Draco Malfoy visita a cabine do expresso de Hogwarts onde estão Rony Weasley e Harry Potter, o preconceito entre bruxos, o conflito de classes e as desigualdades de poder aquisitivo recebem destaque na obra. Draco, em busca da amizade de Harry, advertirá que há pessoas melhores que outras no mundo dos bruxos, despejando, ali, seu desprezo por Rony e pela família Weasley, precisamente por ser desprovida de bens materiais. Para além da questão financeira, mas ainda assim ligado a ela, há outro elemento cultural valioso que se apresenta na construção da família Weasley no enredo: Rowling concebe os Weasley como ruivos, característica física que sofre significante grau de preconceito na Inglaterra, dado que para alguns ingleses, a pessoa ruiva  é ligada a locais como o País de Gales, ou à Escócia, que embora pertencentes ao Reino Unido, são percebidos como países mais pobres e menos desenvolvidos. Por metonímia, a família ruiva dos Weasleys é a representação da pobreza no mundo britânico. É interessante pensarmos que tanto a família Weasley quanto a família Malfoy são “puro sangue” no mundo bruxo, e em tal condição teriam as mesmas possibilidades. Mas não é assim que as coisas se dão. A família dos Malfoy é aristocrática, rica, seus integrantes desempenham papéis muito mais relevantes no Ministério da Magia, eles “compram” o Ministério da Magia de certa forma, e aí, há outro tema a ser discutido que é a questão da corrupção nos órgãos governamentais dos bruxos. O Senhor Weasley, Arthur, possui um emprego no Ministério da Magia, porém um emprego menor, precário, que mal sustenta a família. A sociedade britânica é uma das sociedades ocidentais mais hierarquizadas, onde há uma dificuldade muito grande para um membro da chamada working class, a classe trabalhadora, migrar à burguesia, ou da burguesia à nobreza. Essas diferenças de classes ainda hoje são muito prementes na sociedade britânica e isso permeia nitidamente a sociedade bruxa de Rowling.

4. Racismo. O racismo, arriscamos dizer, é o principal tema social de Harry Potter, porque o cerne da ideologia de Voldemort, da criação dos comensais da morte, e daquilo que conduzirá à Segunda Guerra Bruxa, e o que leva, indiretamente, à morte dos pais do Harry e a sua subsequente perseguição, é a questão do preconceito racial existente no seio do mundo bruxo. Diferentemente do mundo trouxa, ou seja, o nosso mundo, onde o racismo hoje é ligado a uma questão do tom de pele, étnica, em Harry Potter ele está ligado à pureza sanguínea, ao berço, a uma forma de eugenia. Em larga medida, o conflito entre os “puro sangue” e os “mudblood” (termo que nomeia os impuros) funciona como uma forte metáfora também aos preconceitos que enfrentamos em nossa sociedade. Seja o racismo ligado à cor da pele, à etnia, às sexualidades, à transfobia, tipos diversos de preconceitos que conhecemos, a obra de Rowling abre caminhos para as associações entre as desventuras do mundo bruxo e o nosso, hodierno. E é bem interessante que, se Rowling se inspirou no regime nazista para criar o governo dos bruxos, as ideias do movimento de Voldemort, por sua vez, encontraram referenciais e ditames na eugenia do século XIX na Europa, e no racismo científico do mundo ocidental.     

5. Escravidão. Outro tema denso e promissor, inseparável da temática do racismo supramencionando, é o da escravidão. No mundo bruxo, a escravidão está encastoada na percepção de espécies superiores e inferiores. São os elfos, seres mágicos fadados à servidão domiciliar que sofrerão esse indigno destino. Tomamos conhecimento de que os elfos domésticos foram escravizados já no segundo livro da série, A Câmara Secreta, mas é no Cálice de Fogo, com a criação da ONG da personagem Hermione, e com o fundo angariado com fito de libertar os elfos, que Rowling deixa explícito “eles vivem em escravidão”. Aqui temos um um tema muito caro à nossa sociedade ainda hoje. Nem é preciso dizer o impacto que a escravidão causou em nossa sociedade e continua a causar. É pertinente observarmos que Rowling cria a escravidão em Harry Potter de forma naturalizada, onde todos, com exceção de Hermione, exógena àquela sociedade, acham normal que os elfos sejam escravizados. Mesmo figuras não vilificadas na trama, personagens do “lado bom”, como maternal Molly Weasley tem como uma das suas maiores ambições adquirir um elfo para que ele faça o seu serviço doméstico.

Faz-se mister notar que, em Harry Potter, portanto, no que diz respeito ao apoio ou não à escravidão dos elfos, o mundo bruxo não se divide entre “pessoas boas” e os famigerados “comensais da morte”, não é preciso ser um comensal da morte para ser a favor da escravidão, pois praticamente todos os personagens, com a honrosa exceção da Hermione, são a favor da escravidão élfica. O próprio Rony, que é uma pessoa que sofre preconceito, por ser pobre, por ser amigo dos que nasceram trouxas, considera mais do que normal que se escravize outra espécie inteligente no mundo bruxo. Então, aqui, nos deparamos, mais uma vez, com um tema prolífero à sala de aula, para tratarmos e procurarmos compreender o que poderia levar sociedades em diversos contextos históricos a criar uma instituição como a escravidão e também a vê-la como natural por meio de diversos discursos legitimadores. Rowling criou a escravidão no mundo bruxo como uma maneira de criticar a naturalização dessas práticas abomináveis de desigualdade social.

6. Relações de Gênero. O que queremos apresentar aqui com o termo “relações de gênero” diz respeito, basicamente, à procura por uma melhor compreensão da maneira como os personagens masculinos e femininos se relacionam nos livros, como são elaborados, representados, e quais seriam os marcadores de gênero que remetem ou se espelham em semelhantes situações sociais e culturais de nosso mundo. Um exemplo: há uma passagem muito curiosa no livro A Câmara Secreta, na primeira aula de herbologia, quando os alunos devem levar a cabo experimentos com uma planta, as mandrágoras, e eles têm de tampar os ouvido para se protegerem dos temidos gritos emitidos por aqueles mesmos vegetais quando erroneamente manipulados. Rowling dispara no livro, em tom de chiste, que “todos os meninos fugiram de usar os abafadores cor de rosa”. Ora, a cor rosa é hoje um potente marcador de gênero no mundo ocidental, ligado ao gênero feminino, não ao masculino, sugerindo efeminição quando usado por uma pessoa do gênero masculino. Talvez inadvertidamente, Rowling acaba por reproduzir ou reforçar um estereótipo de gênero, já que o naturaliza. É interessante observarmos que, ao mesmo tempo em que a autora propõe personagens femininos que são “empoderadas”, que são protagonistas de suas vidas, de suas histórias, Rowling, ao não denunciar de alguma maneira eficaz a construção cultural e histórica que existe por trás do uso de cores para designar e/ou diferenciar o masculino e o feminino, acaba por normatizar algumas percepções conservadoras de gênero da nossa sociedade. E ainda, no livro O Cálice de Fogo, muitas meninas esperam até que os meninos as convidem para o baile, ou, também, mais explicitamente, quando, ao final da série, é a matriz heteronormativa que dita todos os relacionamentos amorosos dos personagens. Quando o “final feliz” é o casamento heteronormativo, normatizado. Para além de se perguntar em que medida Rowling decidiu por esse final a partir de suas próprias concepções de “final feliz” ou pela pressão social de seus editores, sua história, no que pese o alcance de sua obra par ao público jovem, é inegável concedermos que o final da série desperdiça uma grande oportunidade de apresentar formatos mais polissêmicos de relações afetivas e de  famílias.

Considerações finais
Assim, explorar criticamente Harry Potter, procurar entender as suas metáforas, cotejar as suas analogias, as suas referências, os seus temas, perscrutar não só a presença dos temas, mas porque eles aparecem e como aparecem é também fazer a exegese fundamental do que é a tessitura de nossa sociedade hoje, do final do século XX e, agora, ao inicio do XXI. Nossa História Contemporânea! O que é ser, o que é viver na nossa sociedade, podemos analisar muitos dos nossos problemas, das nossas questões, dos nossos traumas a partir dessa narrativa chamada Harry Potter, ou do mundo mágico de J. K. Rowling. Os temas são ricos, profícuos, necessários, mas exigem adaptações que só podem ser feitas pelo educador ou pela educadora bem preparado/a para a condução do ensino de História. Não há temas proibidos. O que há, de fato, são temas que devem ser bem organizados e apresentados com as ferramentas e com o rigor didáticos para os quais o professor e a professora de história do ensino básico e fundamental deve estar preparado/a.  Por fim, para reflexão final, sugerimos a observação de uma declaração feita por J. K. Rowling, em 2007, no Carnegie Hall, no momento em que fez a declaração sobre a homossexualidade de Dumbledore, o diretor de Hogwarts, quando explica como que vê seus livros e como ela quer que os outros, de certa forma, também os vejam:

“Os livros de Potter, em geral, são uma argumentação pela tolerância, uma declaração prolongada pelo fim da inveja e do extremismo, e eu acho que isso é uma das razões pelas quais algumas pessoas não gostam dos livros, mas eu acho que é uma mensagem muito saudável para se passar para os jovens, de que você deve questionar o governo e que você não deve presumir que o que está definido e o que a imprensa te diz são sempre verdades” (J. K. Rowling, Carnegie Hall, 2007. The Leaky Cauldron, 19 de outubro de 2007. Tradução do site Potterish).

Sandra Pesavento (2004: 83) argumenta que “o enredo de uma obra literária contém pistas sobre o autor e também sobre a época, podendo mostrar, por exemplo, o horizonte de expectativas de um tempo, expressos em forma de literatura”. Sugerimos que nossa abordagem, que enxerga a literatura Young Adult como um precioso instrumento de análise e de auxílio no ensino da História, pode encontrar amparo nos estudos literários e no seu uso como fonte, já bem desenvolvidos, no que diz respeito a outros autores consagrados pela academia, como Machado de Assis, José de Alencar, Shakespeare, Dickens, ou qualquer outro autor clássico.  O desafio talvez esteja ainda na dificuldade de parte da crítica literária, ou a dificuldade da academia e, pensando agora em nosso campo de conhecimento, a dos historiadores, em trabalhar com Harry Potter como um documento válido para pensar a nossa sociedade. Por ser uma obra muito popular, que vendeu e vende muito, há um preconceito muito grande dentro da academia em se falar de Harry Potter. E esse preconceito precisa ser urgentemente quebrado, porque Harry Potter é uma obra que crianças e jovens leram e continuam a ler, mas também, consumida por adultos, pessoas com oitenta anos ou mais, como é o caso de alguns dos alunos do Programa UniversIDADE da Unicamp, fato bem destacado durante o curso ministrado pelo autor Victor Menezes no segundo semestre de 2017, no referido programa.

Referências
Victor Henrique S. Menezes é Mestre em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Doutorando em Gerontologia pela mesma instituição. Idealizador e instrutor da oficina “Harry Potter: História, Cultura e relações de gênero no Mundo Mágico de J. K. Rowling” ministrada em 2017 no Programa UniversIDADE, da Unicamp. Contato: henrique.menezes92@gmail.com
Renato Pinto é Doutor em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente no Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Contato: tdhm@uol.com.br

BURKE, Peter; PALHARES-BURKE, Maria L. G. Os ingleses. São Paulo: Contexto, 2016.

HIRATA, Giselle. O feitiço perdura. Revista Mundo Estranho, junho de 2017, p. 16-25.

MUDROVIC, María E.; CAMPAÑA, Mario. Guerra fría cultural – entrevista con María E. Mudrovcic. Guaraguao – revista de cultura latinoamericana, Barcelona, año 16, nº. 41, 2012 – p. 89-98.

PESAVENTO, Sandra. J. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

PESAVENTO, Sandra. J. História & literatura: uma velha-nova história. Nuevo Mundo, Mundos Nuevos, Debatesp. 2006.



27 comentários:

  1. João Matheus da Silva Cruz9 de abril de 2018 às 02:53

    João Matheus da Silva Cruz

    Antes de tudo, obrigado aos autores por apresentarem o tema, e com o mesmo, abrirem um novo horizonte para o uso de material em sala de aula, que seja mais próximo ou atrativo à realidade dos alunos.
    Quanto às minhas questões, elas são relativas ao trecho, próximo à conclusão do artigo, onde vocês mencionam a dificuldade em se aceitar dentro da academia o uso dos livros de Harry Potter para o trabalho docente, logo eu pergunto, essa resistência seria exclusivamente pelos livros serem classificados como fantasia, e assim não teriam um peso "real", historiograficamente falando? Ou críticas como as de Hayden White, a respeito da relação entre História e Ficção também "espanta" os docentes para o uso deste tipo de material? E por fim, existem outros livros do mesmo gênero que poderiam ser utilizados de modo semelhante em sala, mesmo que não ligados diretamente com nossa realidade, como o caso da série literária 'Jogos Vorazes' de Suzzane Collins, que trata de um regime totalitário?

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    1. Em primeiro lugar, muito obrigado, João Matheus, pelo interesse em nossa conferência. Agradecemos, ainda, pelos elogios. Respondendo às suas perguntas, por partes. I. Sim, acreditamos que o fato de “Harry Potter” ser considerado fantasia acaba por criar/alimentar preconceitos que são endossados ainda mais pelo fato dos livros serem best-sellers. Geralmente, livros que vendem muito na atualidade são vistos com certa desconfiança pela academia. Uma percepção de que o que faz sucesso midiático tem pouca qualidade intelectual. II. Acreditamos que a questão de Hayden White afeta muito mais como a História é interpretada do que a sua seleção de fontes. Na verdade, a questão de fundo é a validade de fontes para a História que escapam das categorias mais tradicionais e "oficiais". III. Para além de HP, acreditamos que todas as obras literárias inseridas no gênero "Jovem Adulto" podem ser trabalhadas em sala de aula pelo professor de História. Séries internacionais de grande sucesso, como as distopias "Jogos Vorazes" (Suzanne Collins) e "Divergente" (Veronica Roth) e também as de fantasias escritas por autores brasileiros como "Filhos do Éden" (Eduardo Spohr) e "A Arma Escarlate" (Renata Ventura) possuem grande potencial para discussões sobre recepções/interpretações da História e/ou ponto de partida para o estudo de questões próprias da contemporaneidade. Caso queira ler um interessante trabalho brasileiro que discute as possíveis relações entre História e Literatura, indicamos PESAVENTO, Sandra J. História & história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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  2. Paula Alessandra Ribeiro Rodrigues9 de abril de 2018 às 08:28

    Olá! Sou recém formada em História e meu primeiro contato com a sala de aula foi em um cursinho pré-vestibular gratuito. A experiência têm sido incrível, mas me colocou diante de questões que a graduação não respondeu, tais como fazer com que a História se torne mais próxima dos meus alunos e não ficar presa apenas ao conteúdo do material didático. Juntamente com estas questões, uma aluna me perguntou na aula passada: "Professora, como faço para gostar de História?" e isso está martelando na minha cabeça desde então. O artigo foi muito importante para que eu pudesse ter uma nova visão sobre o ensino de História, trazendo elementos do mundo dos alunos para a sala de aula e estabelecendo conexões com os processos históricos. Portanto, gostaria de perguntar sobre a formação dos professores na graduação. Temos disciplinas pedagógicas que levantam elementos como a interdisciplinaridade e diferentes metodologias em sala de aula, mas por vezes não trazem a realidade do ensino da História em si, mas uma visão geral. De qual maneira esta formação inicial poderia ser trabalhada para que colocasse os professores diante destas visões mais amplas do ensino da História especificamente? E como deveriam ser feitas reflexões críticas e práticas para que os graduandos pudessem compreender este universo da sala de aula com crianças e adolescentes que vivem em um mundo cercado pela tecnologia e abundância de informação?

    Paula Alessandra Ribeiro Rodrigues

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    1. Olá Paula Alessandra. Muito obrigado pelo interesse em nossa conferência e interessantes reflexões. Seus questionamentos são bastante pertinentes, mas reconhecemos, todavia, que não haverá respostas simples para eles. Muito dependerá de sua própria percepção do que é História. Sugerimos que professores e professoras compartilhem com os alunos suas próprias trajetórias e experiências. Esse é apenas um dos possíveis caminhos. De fato, jamais teremos como identificar precisamente como será a recepção de nossas proposições em sala de aula. As experiências de vida dos alunos/alunas influenciarão em muito seus gostos e interesses. As variações podem ser infinitas. Resta-nos propor algumas ideias e temáticas que podem estar mais próximas do cotidiano dos estudantes, para além dos muros da escola. O uso de fontes históricas de grande apelo midiático fortalece o elo de reconhecimento destas em meio a muitas de suas relações sociais, principalmente as de amizade. Reconhecer o potencial dessas novas categorias de fontes fatalmente ampliará as possibilidades de elementos analíticos. Procurar por referenciais teóricos que abordem o uso da literatura na História é o início de um processo que demandará, em um segundo desdobramento, uma aproximação maior com casos específicos (case studies). Um sistema de apresentação de seminários na graduação que sugiram temas a serem abordados por meio de fontes literárias específicas, como no caso de “Harry Potter”, pode gerar diversos exemplos concretos de ementas de aulas. Tal coletânea pode ser cotejada para uso e testes em algumas aulas. Paralelo ou subsequente a isso, a criação de disciplinas eletivas na graduação que possam concatenar tais abordagens inovadoras (e as ementas criadas) com um sistema didático bem cuidadoso pode ser um caminho desejável nos cursos de licenciatura. No ambiente da formação de novos profissionais da educação, caberá aos docentes e discentes ampliar o diálogo a respeito das novas possibilidades e lançar mão de grande criatividade. As possibilidades, como pode observar nesse simpósio, Paula, são múltiplas.

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  3. EMANUELLA REBELO CAMARGO9 de abril de 2018 às 12:32

    Olá. Suas impressões sobre as possibilidades da inserção de literatura fantástica no ensino da histórica são bem esclarecedoras, principalmente para professores que buscam novas metodologias para uso em sala de aula. Apesar de haver professores inovadores que buscam dinamizar suas aulas de histórias, há uma grande parcela de professores resistentes a mudanças, principalmente na utilização de obras fantásticas. Há que você deve essa resistência de certos professores da não utilização de determinadas obras, à falta de conhecimento sobre a mesma ou simplesmente comodismo na didática?

    Emanuella Rebelo Camargo

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    1. Obrigado, Emanuella, pelo interesse em nossa conferência e comentários. A realidade da carga de trabalho dos professores pode ser um elemento restritivo à utilização de um material didático não imediatamente acessível para além do livro didático. Reconhecida tal dificuldade, ainda que não devêssemos nos resignar com ela, um número considerável de obras literárias infanto-juvenis/jovem adulto publicadas por autores estrangeiros já foram traduzidas para o português e, em sua completude ou em excertos, podem ser, sem grande dificuldade, acessadas na internet. Há ainda, obras do mesmo gênero literário publicadas por autores/autoras brasileiros/brasileiras, como Monteiro Lobato, Eduardo Spohr, Renata Ventura, entre outros. As escolas devem (ou deveriam) oferecer o acesso aos meios eletrônicos de pesquisa. Isto feito, consultas e o diálogo aberto com alunos e alunas permitirão dois movimentos: I. Saber mais a respeito do consumo de entretenimento desses jovens estudantes; II. Apresentar-lhes, ainda, outras opções. Este simpósio oferece diversas, por exemplo.

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  4. Olá,

    Partindo dessa premissa de usar obras no ensino, vocês não acham que seria interesse um trabalho em conjunto da Literatura e História? Na qual ambos professores usariam a mesma obra como uma forma de dinamizar o estudo do assunto proposto?

    Eduardo de Moraes Faria

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    1. Olá Eduardo, muito obrigado pelo interesse em nossa conferência e questionamentos. O trabalho conjunto do docente da área de História com o de Literatura, com toda certeza, pode trazer inúmeros resultados positivos aos alunos e à ambas as disciplinas. Nesta conferência optamos por indicar as possibilidades da obra de J. K. Rowling ser trabalhada exclusivamente pela disciplina de História como ponto de partida, e/ou de intermediação, das discussões de temas presentes nos livros didáticos e/ou curricula escolares; mas isso não exclui as possibilidades desta literatura ser trabalhada de maneira interdisciplinar. Como procuramos demonstrar, “Harry Potter” tem um grande potencial devido aos diversos temas históricos e questões da contemporaneidade que permeiam suas linhas e entrelinhas. Os professores de História e Literatura poderiam sugerir a leitura dos livros e/ou trabalhar com excertos específicos em sala de aula, havendo grande potencial para o despertar do interesse dos alunos para os acontecimentos e/ou personagens históricos a serem discutidos e constituindo assim, um ponto de intersecção entre o discurso escolar e o discurso dos alunos por meio da literatura supracitada. Essa prática, além de ser uma possível facilitadora de diálogos e construções de conhecimentos, pode auxiliar, ainda, no despertar do interesse pela leitura por parte de alguns dos alunos, pois, como é sabido por meio de recentes pesquisas empíricas, a obra escrita pela autora britânica tem influenciado e formado leitores em todo o mundo.

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  6. Boa noite,
    Antes de mais nada quero parabenizar os autores por uma narrativa tão clara abordando um tema que é bastante caro e atual para professores e alunos de História. Vejo que a disciplina têm perdido espaço apesar de tantas obras como Game of Thrones de George R.R. Martin e mesmo o clássico Senhor dos Anéis de J.R. Tolken terem apresentado excelentes ilustrações das sociedades antigas e atingido tantas crianças e jovens. A minha pergunta é como podemos usar alguns desses temas como a escravidão, por exemplo, sem irmos para o senso comum e sermos julgados de "fugir do tema"? Dito de outra maneira, será que não precisamos estabelecer comparações mais historiograficamente fortes (como por exemplo demonstrando ao aluno a naturalidade das relações de escravidão no século XIX) através do uso de autores, para que possamos trazer os alunos para a experiência vivida e escaparmos das críticas institucionais?

    Gustavo de Andrade Durão (UFRRJ)

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    1. Olá, Gustavo. Em primeiro lugar, muito obrigado pelo interesse e pelo incentivo. Cremos que a percepção de perda de interesse pela História que você mencionou se deve a motivos mais profundos. Num primeiro momento, não associaríamos isso, na dimensão que puder ter, ao tema do uso da literatura na História. Fica para outra oportunidade esse debate, talvez. Agora, no que diz respeito às propostas de temas em HP, pensamos o seguinte: se tomarmos, neste momento, como exemplo de análise, a questão da escravidão no gênero literário aqui proposto, pode ser bastante frutífero observarmos como as/os autoras/res abordam em seus enredos a (i)legitimidade da instituição da escravidão e em que medida dão voz as/aos escravas/os. Se estes dois elementos estiverem presentes na literatura jovem adulto, seria possível, por comparação, questionarmos se as fontes históricas tidas como “oficiais”, aquelas associadas à prática da escravidão, permitem localizar discursos sociais (a necessidade da tutela) e legais (leis que pressupõem a inferioridade de algumas pessoas ou de alguns povos) que naturalizam a presença do escravo na sociedade, e que podem, por vezes, escamotear o interesse econômico, por exemplo. Ora, se os leitores puderem se deparar com alguma forma de expressão vinda diretamente de personagens descritos como escravos na literatura proposta, cabe perguntarmos com qual frequência isso também se dá nas fontes “oficiais”. Se denotado o descompasso, se destacado o silêncio dessas vozes e se escancarada a ausência, pensamos que a literatura já terá cumprido um importante papel na formação de senso crítico histórico. O estranhamento gerado por esse silêncio levará, quiçá, à busca por outras lacunas e à procura por explicações para elas. Isso poderá nos ajudar a desbancar o senso comum de que os escravos nada tinham a dizer ou nada influenciavam na sociedade e na História, como um todo. Antes, poderemos entrever todo um esforço social dos donos de escravos em calar suas expressões, e de tornar invisíveis seus corpos ou de plasmar seus movimentos. Ademais, cabe dizer que a reprodução de discursos legitimadores para a escravidão na literatura podem dar pistas sobre uma possível aproximação comparativa entre mundos escravocratas. Como apresentam o surgimento e/ou a permanência da escravidão? Abordam a abolição? E quanto às fontes “oficiais”? O que essas últimas dizem? Como podemos falar de descontinuidades e de permanências na História? Longe de buscarmos pelas comparações simplistas, quase sempre anacrônicas, talvez resida nas análises dos discursos específicos de legitimação da escravidão das fontes derivadas de distintos contextos históricos, nas suas similitudes percebidas, em seus tropoi, algum potencial comparativo crítico mais diacrônico. Pode ser esse um caminho.

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  8. Boa noite!

    Existe também uma certa resistências dos adolescentes de lerem, vocês acham que com esse tipo de leitura poderemos mudar essa nossa realidade? Nas escolas públicas existe um deficit de livros, campanhas para doações seria uma opção? Tendo um filho adolescente e louco por leitura, acompanho as histórias dos amigos que apenas pegam o livro p ler quando são obrigados por ter que fazer um trabalho valendo nota ou apenas se "apoiarem" nos colegas que gostam de ler e que vão garantir as notas.

    Atenciosamente,

    Roberta dos Anjos de Souza Martins

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    1. Olá Roberta. Agradecemos muitíssimo pelo interesse em nossa conferência e comentários. “Harry Potter” foi e ainda é uma série literária que tem despertado o interesse de inúmeros perfis de leitores em todo o globo. Em entrevistas feitas com fãs da saga, é muito comum a presença de declarações como “eu cresci lendo Harry Potter” e “Harry Potter me ajudou a gostar de ler”. Os motivos para os livros de J. K. Rowling fazerem tanto sucesso entre o público são múltiplos e nem tão simples de serem mapeados. O potencial, porém, para esse despertar do desejo pela leitura é um dos motivos pelos quais acreditamos ser de fundamental importância a utilização destes livros em sala de aula. Geralmente, a “obrigatoriedade” pela leitura de algo simplesmente porque haverá um trabalho e/ou prova a ser feito torna a atividade pouco interessante. Assim, é importante o desenvolvimento de metodologias que induzam os alunos a aproximarem-se da leitura sem que se vejam obrigados a assim fazerem somente devido às avaliações que serão aplicadas pelo professor. Temos que levar em consideração, também, o tipo de literatura que é comumente imposta aos alunos: obras tidas como “clássicas” cujas narrativas têm poucas relações com o cotidiano e experiências pessoais dos discentes. Adolescentes que não têm a prática da leitura já estabelecida em suas vidas, por certo se sentirão pouco motivados à inicia-la por meio de uma obra publicada no século XIX, a título de exemplo, indicada pelo seu professor e/ou material didático. Em contrapartida, se a estes/estas alunos/alunas forem apresentadas inicialmente obras recentes e pertencentes à chamada “cultura pop”, como é o caso de “Harry Potter”, que comprovadamente possuem ricas narrativas que despertam o interesse de grande parte das crianças e adolescentes (e mesmo adultos!) de hoje, há uma chance maior não apenas deles se interessarem pela leitura como futuramente buscarem/desejarem ler outros gêneros literários e, inclusive, os “clássicos” cobrados anualmente em vestibulares de todo o país. A questão que colocamos aqui não é a eliminação das obras que são hoje indicadas, em especial, nas aulas de Literatura, mas uma reformulação da ordem e de como são indicadas as leituras de obras x, y e z. Ainda, como procuramos apresentar em nossa conferência, acreditamos que “Harry Potter” pode servir como um fio condutor não apenas do despertar da leitura ou das discussões feitas nas aulas de Português e/ou Literatura, mas também do interesse pelos estudos de História, em particular da História Moderna e Contemporânea ensinadas, via de regra, nos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental II e 2º e 3º anos do Ensino Médio. Em relação ao déficit de livros, infelizmente é uma realidade com a qual professores e alunos de escolas públicas convivem cotidianamente. Seria simplório de nossa parte apontarmos aqui que, por ser uma questão de políticas públicas, tal problema poderia ser facilmente resolvido por meio da exigência de compras a serem feitas por instâncias governamentais. Assim, campanhas para doações, como apontado por você, podem ser de fato uma das possíveis opções.

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  9. Olá Victor e Renato.
    Parabéns pelo texto. Como fã dos livros de J.K.Rowling.
    Quando falamos sobre “Harry Potter” é muito comum associar um cenário fantástico da Europa e esquecer que por trás existe toda uma história que pode ser explorada pelos professores. Além disso, mesmo sabendo que Harry Potter caiu no gosto do público adulto parece que esse tipo de literatura ainda encontra resistência.Sei que Harry Potter fez sucesso no Brasil, mas na região amazônica, ao menos no lugar onde mora tem sido visto como uma leitura "boba".
    Gostaria de saber se vocês fizeram a aplicação de leituras sobre Harry Potter na sala de aula, para que público, que métodos foram utilizados para chegar a reflexões positivas ou negativas.
    Desde já agradeço pela publicação deste texto estimulante.
    Jelly Juliane Souza de Lima.

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  10. Primeiramente parabéns pelo artigo, sou fã incondicional de Harry Potter e saber que posso levar esses livros para a sala de aula é maravilhoso. Vocês já levaram para a sala de aula?
    Sabemos que muitos professores (eu tive um assim) que ensina apenas o decoreba de datas e acontecimentos, como eu poderia inserir os livros em sala?
    Obrigado por me mostrar essa possibilidade.
    Aline de Fátima dos Santos Lopes Lima

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  11. Olá, primeiramente gostaria de parabenizá-los pela conferência, tanto a iniciativa quanto as considerações são muito bem construídas, de forma didática e próxima ao leitor. Gostaria de agradecer também como fã da saga, a qual acompanhei desde a infância. Ao longo da leitura refletia sobre os livros e as adaptações cinematográficas. Como contribuição ao texto, pontuo a Armada de Dumbledore, assim como a Ordem da Fênix, como ótimas possibilidades para problematizar os movimentos de resistência, que fizeram frente a regimes totalitários e de segregação ao longo da história.

    Att
    Gustavo Henrique Kunsler Guimarães

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    1. OLá, Gustavo, muito obrigado por seu interesse em nosso texto e por sua participação e suas sugestões. Suas observações são muito pertinentes. Há muitos temas a ser explorados em Harry Potter. Em nosso texto, tivemos de selecionar apenas alguns. Mas o pesquisador Victor Menezes publicou recentemente um vídeo com vários desses temas e lá você encontrará as observações e análises dele sobre a Armada Dumbledore e a ordem da Fênix e as aproximações com regimes totalitários. Assista ao vídeo se puder e comente lá também. O link para o vídeo você obterá no perfil do Facebook de Victor ou fazendo contato direto com ele. O vídeo tem duas partes e está disponível no Youtube. Chama-se "Harry Potter: A História para além d'O Menino que Sobreviveu". Será ótimo falarmos mais dessas percepções.

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  12. Boa noite! Tudo bem?

    Inicialmente gostaria de parabenizá-los pelo texto: é inspirador poder entrar em contato com diversas novas formas de uso de fontes em sala de aula. Sempre muito bom poder participar de eventos que evidenciem a importância da diversificação de documentos para o Ensino de História.

    A minha pergunta se direciona a conclusão de vocês, especificamente sobre o preconceito acadêmico em relação ao uso de livros best-sellers, YA e outros como fontes históricas. Gostaria de saber se vocês tem dimensão da recepção, no ambiente acadêmico, de uma proposta como a de vocês, levando em conta a existência de uma hierarquização da importância de temas de pesquisa tipicamente "historiográficos" e temas de pesquisa em outras áreas, como é o caso do Ensino de História.
    Também gostaria de saber se pretendem transformar a experiência do UniversIDADE em uma pesquisa no campo de Ensino de História.

    Att,
    Rafaella Franchin de Sousa (Unicamp)

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    1. OLá, Rafaella, muito obrigado pelo interesse e por sua participação. Não concluímos ainda nenhum estudo pormenorizado a respeito da recepção de nossa proposta. Mas já há algumas pistas. A experiência no programa UniversIDADE está em constante avaliação e faz parte, sim, de um estudo qualitativo e quantitativo na área da Gerontologia por parte do pesquisador Victor Menezes. Quando os resultados mais amadurecidos começarem a surgir, algo que leva algum tempo, pensamos ser frutífero considerarmos a inserção dessas experiências em uma proposta específica para o ensino de História. De fato, a própria participação neste 4o. Simpósio faz parte desta intenção.

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  14. Caros Victor e Renato, uma satisfação imensa ler sobre Harry Potter de forma a se pensar em sua utilização dentro de uma sala de aula, a história ajudou muito a moldar meu caráter, pois minha adolescência passou junto do lançamento dos livros.
    De qualquer maneira, sei que vocês pontuaram como limite os 7 livros com um pequeno adicional da declaração pós encerramento sobre a sexualidade de Dumbledore, sendo assim, me sinto à vontade em questionar sobre a nova franquia Animais Fantásticos, que está inserindo uma nova geração de leitores através do cinema. Também sabemos que essa nova geração tem acesso a informação e formas diferentes de pensar sobre a tolerância que é apresentada nos livros. Eu queria saber como vocês lidariam com as questões levantadas por conta de Animais Fantásticos, existe um questionamento muito forte em cima da produção e principalmente da própria JK: primeiramente sobre os abusos de Johnny Depp a sua ex-esposa e a demora para um posicionamento da JK, que quando foi feito, foi omisso e sobre o fato da sexualidade de Dumbledore ter sido ocultada do próximo filme. Claramente é um problema você ver a autora depois de sete livros levantando tantas bandeiras de tolerância cair para um caminho oposto. Como levantar esse debate?

    Att.,

    Esther Salzman Castellano

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    1. Olá, Esther, muito obrigado por seu interesse e por suas ponderações. Gostaríamos de expressar nosso repúdio a qualquer forma de violência contra a mulher e compreendemos como esse tema é da maior importância, alavancado por outras mobilizações na mídia, como a campanha #metoo, que trata da violência do assédio sexual, também. Portanto, logo de saída, nos colocamos no campo do rechaço a essas práticas criminosas. No caso da controversa seleção do ator Johnny Depp para o elenco de Animais Fantásticos, consideramos que a resposta de Rowling às reclamações demorou muito a ser dada e foi pouco elucidativa para muitas/os de seus seguidoras/es. Mas fazemos algumas ponderações: a autora foi ela própria vítima de violência em um de seus casamentos, fato que tornou público há muitos anos. Não queremos e não nos julgamos capazes de avaliar ou tecer um veredito a respeito das cicatrizes que tal violência pode ter deixado em Rowling ou em outras mulheres. Antes de pensarmos em J. K. Rowling, a autora, a roteirista, como um role-model, pensamos que ela deva ser escutada como uma vítima, também. Sua posição profissional e sua fama não nos deve fazer esquecer as possíveis contradições e ansiedades que podem advir de muitas experiências traumáticas pelas quais passam as mulheres que sofrem abuso nos relacionamentos. Penso que precisamos, justamente, dar voz a elas, para que possam, se assim o desejarem, contar e compartilhar suas experiências. Em sala de aula, seria boa ideia levar alguns depoimentos dessas mulheres, por exemplo. No que diz respeito à sexualidade de Dumbledore nos filmes, torcemos para que seja retratada de forma clara e sem embotamento. O que argumentamos em sala de aula é que não há, na prática, como deixar de mostrar algum aspecto de sexualidade nos filmes, e o primeiro filme de AF já tem muitos momentos perpassados pelas relações amorosas e/ou sexuais e não consideramos adequado que todas as suas representações sejam exclusivamente heterossexuais, que acabam sendo naturalizadas, sem que despertem a atenção de muitos para sua presença nas tramas. Não nos serve o discurso de que “não precisa mostrar a relação homoerótica, pois não é importante para a história” de Dumbledore. Ora, há muitos outros personagens que se envolvem em relações amorosas e /ou sexuais, tanto em HP quanto em AF. Todas essas relações são importantes. Mas Animais Fantásticos é uma obra em desenvolvimento, e preferimos esperar um pouco mais para ver o que Rowling e outros roteiristas e produtores pensaram.

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  17. Parabéns pelo artigo e pela abordagem inovadora e ousada. Como educador em cursos de formação gerencial, já utilizei falas de personagens como Aldo Dumbledore para ilustrar situações da vida corporativa, com bons resultados e muito interesse por parte dos alunos. Vejo, contudo, que muitos desqualificam a atividade por considerarem as obras literárias como pouco “sérias” e inadequadas, especialmente as de ficção. Como superar esse preconceito e abrir um amplo campo de exploração a partir das correlações entre história e literatura?

    Newton Ribeiro Machado Neto

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